sexta-feira, 18 de novembro de 2022

VUELTA


ah, esse tempo e essa distância.

tu a quantos passos dos meus dedos,

do meu alcance,

dos meus segredos e da minha sanha.

tu que me tens fácil

e me ganhas em palavras comezinhas,

amiúde em tua voz e nela envoltas

que nem percebo-as minhas.

traídas no teu timbre

e de mim subtraídas,

o teu chamado eu ouço

no teu chamado eu fico.

 

e assim o ambiente tu preparas,

trazendo, a cada instante,

somente o que a ele é necessário;

já eu, pelo contrário,

ou trago tudo ou nada trago:

ou te como de beijos

ou te devoro de ausências.

 

mas sabes o meu preço:

declinas o teu colo,

solfejas um bolero,

e dizes o que eu quero

na espera que ofereço

(e mais esperaria,

 que esse tempo não se conta),

e tu, num faz-de-conta,

nos lábios que a custo movimentas,

lançando-me palavras

castas e sedentas,

certeiras e fugidias,

com as quais, sabes, me adias

e com elas me demoro

porque tanto me inebria.

 

mas, é pouco. pensas.

 

não sei como,

mas, aos poucos,

lentamente,

todo o ambiente olorizas.

um cheiro não guardado nos perfumes

e às flores, certamente, ocultado;

e eu, embriagado,

sabendo-te culpada da fragrância,

mais me aproximo

e inútil escondo a ânsia

de vestir-me do teu corpo,

de beber a tua pele,

cada pêlo e cada poro,

cada curva, toda parte,

eu inteiro, tu completa.

 

e como não convém dizer segredos

a olhos que não sejam teus e meus,

deixemos que adivinhem o percurso

da vuelta e reencontro

do meu toque, meu olhar,

no presente derradeiro que me deste:

tu inteira,

epicentro desse cheiro.

 

 

Antoniel Campos