sábado, 28 de maio de 2022

Vácuo



Restam-nos destroços de lutas e de símbolos,

Escuridão, surpresas,

Ausências do querer no pensamento,

Fundo hiato na vida e na pré-morte

E a nascente vivência transformando

Instantes claros em sombras do eterno.

Restam-nos distância em tudo que existe

E mais distâncias ainda no obscuro imaginado

Quando em sons e gestos somos transformados

Em destinos que se unem nos extremos.

Restam-nos na preamar do tempo

O salitre de memórias reversíveis,

O cansaço dos nossos próprios cansaços,

Secreta neblina, abstrato manto

Agasalhando sustos no restante caminho neblinoso.

Restam-nos dúvidas na luz das manhãs recomeçadas,

Desalentos na oração intencional,

Fome na fome satisfeita,

Secura na umidade do suor,

E fadiga no vício do vulgar viver.

Restam-nos depois os ventos

Nas regiões do silêncio milenar.

As chuvas escorrendo sobre nós,

As pedras ferindo nossas mãos.


Adalgisa Nery

In Erosão (1973)