Restam-nos destroços de lutas e de símbolos,
Escuridão, surpresas,
Ausências do querer no pensamento,
Fundo hiato na vida e na pré-morte
E a nascente vivência transformando
Instantes claros em sombras do eterno.
Restam-nos distância em tudo que existe
E mais distâncias ainda no obscuro imaginado
Quando em sons e gestos somos transformados
Em destinos que se unem nos extremos.
Restam-nos na preamar do tempo
O salitre de memórias reversíveis,
O cansaço dos nossos próprios cansaços,
Secreta neblina, abstrato manto
Agasalhando sustos no restante caminho neblinoso.
Restam-nos dúvidas na luz das manhãs recomeçadas,
Desalentos na oração intencional,
Fome na fome satisfeita,
Secura na umidade do suor,
E fadiga no vício do vulgar viver.
Restam-nos depois os ventos
Nas regiões do silêncio milenar.
As chuvas escorrendo sobre nós,
As pedras ferindo nossas mãos.
Adalgisa Nery
In Erosão (1973)