sábado, 14 de maio de 2022


 "Os poetas sentem e sabem. A psicanálise explica. Somos viajantes mesmo quando não viajamos. Viajamos sonhando, sem sair do lugar. O sonho é a viagem daquele que quer ir mas não pode. Não pode ou por não ter barcos ou por não saber onde ir. Nos seus lugares mais profundos, o corpo é um navegante. Mora ali um fogo que não se apaga – Freud deu a ele o nome de “princípio do prazer”. Queremos navegar até o lugar (ou tempo) onde encontraremos o prazer. Mas eu sinto tentado, à semelhança de Octavio Paz, a falar “dupla chama”. Castiçal de duas velas. De um lado a chama do prazer, vermelha. Do outro, a chama da alegria, azul. Acho que Freud não concordaria comigo – mas não tem importância. Na minha psicanálise estou sempre atento ao “princípio da alegria”."

- Rubem Alves, em "Palavras para desatar nós". Campinas/SP: Papirus editora, 2012, p. 59.