sexta-feira, 6 de maio de 2022


 
nem sequer telefonaste

tentava caminhar e tudo o que conseguia era bater

com a cabeça no lavatório tentava lembrar-me do meu nome

e só um rápido movimento de barbatanas sujas me aflorou a boca

esperei que viesses ao entardecer

abrisses os braços para mim

esperava que surgisses como um osso de luz reconhecível

mesmo durante a noite esperei

que me prendesses de novo para que não se enchesse o quarto

de peixes de enxofre devoradores de paredes

e tu nunca vieste

mais nada me poderia acontecer

teu rosto chegava-me à memória como mancha de fumo

longínqua nódoa de água e sangue

nos pulsos

uma mancha e tu não chegaste


desculpa

o que te queria dizer talvez não fosse isto

a solidão turva-se-me de lágrimas

e nas pálpebras tremem visões do meu delírio

olho as fotografias de antigos desertos

corpos coerentes que fomos

bocas de papel amarelecido

onde a sede nunca encontrou a sua água e às vezes ainda tenho sede de ti


al berto