quinta-feira, 28 de abril de 2022

Transgressão

Peter Seminck



oceanos onde possamos navegar, partir, tornar a voltar

muitas fronteiras, novos horizontes

em que nada se limite aos poucos sentidos

nem se restrinja a moralidades, a códigos

a crenças e princípios

nem se submeta a leis, homens, governos

lugares comuns, discursos e ismos

nem se afogue em mitos, lendas, ideologias.

Nada dessa raça de indivíduos com pés, hábitos, lágrimas, valores

e mãos vazias tentando agarrar um inatingível deus

tentando se esconder nas suas vestes

se desculpar na sua misericórdia

com oferendas, rituais, e sacrifícios e toda essa farsa.

Um lugar onde fosse ao fim das coisas

se penetrasse em cada uma delas até sugar-lhe o bagaço

até chupar-lhe as vísceras

sem medo algum, sem bloqueio, sem barreiras

construídas pelas seitas e tabus.

Continentes onde a fúria natural jorrasse livre

sem que se paralise o pensamento

onde se ouse a ação, o grito, a loucura, o drama,

a gargalhada exploda em milhões de átomos e estrelas e uivos

de animais e agonias de angústia medonha e longa

como a noite dos tempos,

a paixão desenfreada, a dança.

Que desmorone nas pessoas esse comportamento adquirido

condicionado, esses costumes de cultos formais

a obrigação, a disciplina

essa pontualidade com a vida

essas mentiras todas herdadas,

impostas, aceitas.

Que se dissolva tudo. Que tudo escorra

nos canais de irrigação.

Que sejam os desejos insensatos e os voos sublimes.

Que sejam as cores, luzes, o som, o cheiro, o gosto, os poros sexuados.

Que fluam o sêmem, o sangue, os rios, a urina, e as palavras.

Que se restaure toda a verdade

tudo o que carrega o tempo e a gênese.

Que tudo se purifique até alcançar

o significado obsceno do êxtase.


Bruna Lombardi