quarta-feira, 13 de abril de 2022

O pecado de viver para ser amado


Ele era a trágica vítima dos seus próprios desejos, das suas próprias paixões. Para onde quer que fugisse levava consigo o seu próprio inimigo. Perguntava-se: Como será possível alguém lúcido amar-se a si próprio e, não se amando a si próprio, amar alguém? Como poderá acontecer desejar tanto o que mais me faz doer? Uma paixão que não dá cabo de nós não é uma verdadeira paixão. Um desejo supremo que não nos conduza à nossa perda não foi senão um meio para um medíocre objetivo.

Tudo fez para ser amado, como se fosse o caso de se poder ser amado por sensatas e previsíveis razões. Pode-se ser um assassino e ser-se amado. Mas poderá um assassino amar grandemente? Poderá um exímio pianista ser um reles criminoso? Nada há que se possa fazer para que o outro nos ame. O amor acontece e é louco. Se julgamos alcançá-lo é à custa de um equívoco: o que tomamos por amor do outro é dependência, necessidade, escravidão. Qualquer presente é uma algema, qualquer beijo um doce veneno. Quando o outro repara na invisível gaiola, voa para longe e nós regressamos à nossa, agora desprezível, solidão. Quisemos passar por quem não éramos, fingir o que não podíamos e, justamente, arrancam-nos a máscara. Então descobrimos como era falso o amor que julgávamos sentir pela pessoa que nos escapou por entre os dedos por não apreciar sentir-se prisioneira. O amor é quase sempre e unicamente amor próprio: o outro é o meio através do qual nos amamos, nos suportamos sem razão para isso, um instrumento para manusear a nossa irremediável perdição. É injusto que o que sonhamos perfeito seja a mais dolorosa das ilusões.

É possível que nunca ninguém tenha amado verdadeiramente.


Pedro Paixão