segunda-feira, 18 de abril de 2022

O homem revoltado




“Na nossa provação diária, a revolta desempenha o mesmo papel que o cogito na ordem do pensamento: ela é a primeira evidência. Mas essa evidência tira o indivíduo de sua solidão. Ela é um território comum que fundamenta o primeiro valor dos homens. Eu me revolto, logo existimos”

*

“Uma das poucas posturas filosóficas coerentes é a revolta, o confronto perpétuo do homem com a sua escuridão. Ela é a exigência de uma transparência impossível e questiona o mundo a cada segundo. Essa revolta é apenas a certeza de um destino esmagador, sem a resignação que deveria acompanhá-la.”

*

“Na origem, o movimento de revolta é restrito. Não é mais do que um depoimento incoerente. A revolução, ao contrário, começa a partir da ideia. Mais precisamente, ela é a inserção da ideia na experiência histórica, enquanto a revolta é somente o movimento que leva da experiência individual à ideia. Ao passo que a história, mesmo que coletiva, de um movimento de revolta é sempre a de um compromisso sem solução nos fatos, de um protesto obscuro sem o compromisso de sistemas ou razões, uma revolução é uma tentativa de modelar o ato segundo uma ideia, de moldar o mundo em um arcabouço teórico. Por isso, a revolta mata homens, enquanto a revolução destrói ao mesmo tempo homens e princípios”.

*

"O desejo de posse não é mais que uma outra forma do desejo de durar; é ele que constitui o delírio impotente do amor. Nenhum ser, nem mesmo o mais amado, e que nos ama com maior paixão, jamais fica em nosso poder. Na terra cruel em que os amantes às vezes morrem separados e nascem sempre divididos, a posse total de um ser, a comunhão absoluta por toda uma vida é uma exigência impossível. O desejo de posse é a tal ponto insaciável que ele pode sobreviver ao próprio amor. Amar, então, é esterilizar a pessoa amada. O vergonhoso sofrimento do amante, a partir de agora solitário, não é tanto de não ser mais amado, mas de saber que o outro pode e deve amar ainda. Em última instância, todo homem devorado pelo desejo alucinado de durar e de possuir deseja aos seres que amou a esterilidade ou a morte."

*

“O homem recusa o mundo como ele é, sem desejar fugir dele. Na verdade, os homens agarram-se ao mundo e, em sua imensa maioria, não querem deixá-lo. Longe de desejar realmente esquecê-lo, eles sofrem, ao contrário, por não possuí-lo suficientemente, estranhos cidadãos do mundo, exilados em sua própria pátria. A não ser nos instantes fulgurantes da plenitude, toda realidade é para eles incompleta”. 


Albert Camus, “O Homem Revoltado”