Licio Passon |
Necessito de mim mais do que de ninguém. Mas mentiria se
não confessasse o quanto preciso de ti. Tu és o meu vinho e
a minha ressaca. A minha árvore e a minha floresta. O meu
cavalo. A minha casa, o meu mar, o meu coral. A minha tei-
mosia e a minha lucidez. O meu pássaro de chuva e o meu
pássaro de fogo. A minha distância, o meu abismo, a minha
fuga. A minha sombra e o meu túnel. O atalho para o outro
lado de mim.
Tu és a minha estrela e o meu guia. A minha porta, o meu
clarão, a minha injúria. O meu grão, o meu vento, o meu mo-
ínho. O meu sortilégio. O fim da festa e o meio-dia. O meu
carnaval, o meu brinquedo, o meu dia santo. O meu pecado,
a minha penitência. O ouro, a ofensa, o desvario. És o meu
hábito e o meu monge. A minha espiga e o meu pão. A mi-
nha irmã branca, a minha irmã negra, a minha irmã de novas
latitudes. A minha amante e a minha mãe, o meu abraço e as
minhas margens. A minha prostituta, o meu combate, o meu
sorriso. Tu és o meu cálice. O meu elixir e o meu veneno. O
vinho que dá coragem às medusas.
Necessito de ti mais do que de ninguém. Mas mentiria se
não te confessasse o quanto preciso de mim.
Joaquim Pessoa
in ANO COMUM