Uma terceira via de acesso ao estudo do narcisismo constitui a vida amorosa dos seres humanos, em sua variada diferenciação no homem e na mulher. Assim como a libido de objeto escondeu primeiramente da nossa observação a libido do Eu, também na escolha de objeto pela criança (e o adolescente) vimos primeiro que ela toma seus objetos sexuais de suas vivências de satisfação. As primeiras satisfações sexuais autoeróticas são experimentadas em conexão com funções vitais de autoconservação. Os instintos sexuais apoiam-se de início na satisfação dos instintos do Eu, apenas mais tarde tornam-se independentes deles; mas esse apoio mostra-se ainda no fato de as pessoas encarregadas da nutrição, cuidado e proteção da criança tornarem-se os primeiros objetos sexuais, ou seja, a mãe ou quem a substitui. Junto a esse tipo e essa fonte de escolha de objeto, que podemos chamar de tipo de apoio, a pesquisa analítica nos deu a conhecer um outro, que não esperávamos encontrar. De modo especialmente nítido em pessoas cujo desenvolvimento libidinal sofreu perturbação, como pervertidos e homossexuais, descobrimos que não escolhem seu posterior objeto de amor segundo o modelo da mãe, mas conforme o de sua própria pessoa. Claramente buscam a si mesmas como objeto amoroso, evidenciando o tipo de escolha de objeto que chamaremos de narcísico. Nessa observação se acha o mais forte motivo que nos levou à hipótese do narcisismo.
A comparação entre homem e mulher mostra que há diferenças fundamentais, embora não universais, naturalmente, quanto ao seu tipo de escolha de objeto. O amor objetal completo, segundo o tipo “de apoio”, é de fato característico do homem. Exibe a notória superestimação sexual, que provavelmente deriva do narcisismo original da criança, e corresponde assim a uma transposição do mesmo para o objeto sexual. Essa superestimação sexual permite que surja o enamoramento, esse peculiar estado que lembra a obsessão neurótica, remontando assim a um empobrecimento libidinal do Eu em favor do objeto. De outro modo se configura o desenvolvimento no tipo mais frequente e provavelmente mais puro e genuíno de mulher. Com a puberdade, a maturação dos órgãos sexuais femininos até então latentes parece trazer um aumento do narcisismo original, que não é propício à constituição de um regular amor objetal com superestimação sexual. Em particular quando se torna bela, produz-se na mulher uma autossuficiência que para ela compensa a pouca liberdade que a sociedade lhe impõe na escolha de objeto. A rigor, tais mulheres amam apenas a si mesmas com intensidade semelhante à que são amadas pelo homem. Sua necessidade não reside tanto em amar quanto em serem amadas, e o homem que lhes agrada é o que preenche tal condição. A importância desse tipo de mulher para a vida amorosa dos seres humanos é bastante elevada. Tais mulheres exercem a maior atração sobre os homens, não apenas por razões estéticas, porque são normalmente as mais belas, mas também devido a interessantes constelações psicológicas. Pois parece bem claro que o narcisismo de uma pessoa tem grande fascínio para aquelas que desistiram da dimensão plena de seu próprio narcisismo e estão em busca do amor objetal; a atração de um bebê se deve em boa parte ao seu narcisismo, sua autossuficiência e inacessibilidade, assim como a atração de alguns bichos que parecem não se importar conosco, como os gatos e os grandes animais de rapina; e mesmo o grande criminoso e o humorista conquistam o nosso interesse, na representação literária, pela coerência narcísica com que mantêm afastados de seu Eu tudo o que possa diminuí-lo. É como se os invejássemos pela conservação de um estado psíquico bem-aventurado, uma posição libidinal inatacável, que desde então nós mesmos abandonamos. À grande atração da mulher narcísica não falta o reverso, porém; boa parte da insatisfação do homem apaixonado, a dúvida quanto ao amor da mulher, a queixa quanto aos enigmas do seu ser, tem sua raiz nessa incongruência entre os tipos de escolha de objeto. Talvez não seja supérfluo garantir que esse quadro da vida amorosa feminina não implica nenhuma tendência a depreciar a mulher. Sem contar que a tendenciosidade me é alheia, sei também que esses desenvolvimentos em direções várias correspondem à diferenciação de funções num contexto biológico altamente complicado; além disso, disponho-me a admitir que muitas mulheres amam segundo o modelo masculino e exibem a superestimação sexual própria desse tipo. Também para as mulheres que permaneceram narcísicas e frias em relação ao homem há um caminho que conduz ao completo amor objetal. No filho que dão à luz, uma parte do seu próprio corpo lhes surge à frente como um outro objeto, ao qual podem então dar, a partir do narcisismo, o pleno amor objetal. E há mulheres que não precisam aguardar o filho para dar o passo no desenvolvimento do narcisismo (secundário) ao amor objetal. Antes da puberdade elas se sentiam masculinas e por algum tempo se desenvolveram masculinamente; depois que essa inclinação foi interrompida pela maturação da feminilidade, resta-lhes a capacidade de ansiar por um ideal masculino, que na verdade é a continuação da natureza de menino que um dia tiveram.
Sigmund Freud, Introdução ao narcisismo