Franz Kafka - Portrait of Milton Glaser. |
“querido pai,
Você me perguntou recentemente por que eu afirmo ter medo de você. Como de costume, eu não soube responder. Em parte, justamente por causa desse medo. Eu era uma criança medrosa, é claro que apesar disso também era teimoso como o são todas as crianças. Certamente minha mãe mimou-me. Mas eu não posso crer que era uma criança difícil de lidar. Nem que uma palavra amável, um silencioso levar pela mão, um olhar bondoso não pudessem conseguir de mim tudo o que quisessem. O que eu teria necessitado a qualquer tempo e em qualquer lugar era o incentivo. Eu já estava esmagado pela simples materialidade do seu corpo. Você havia subido tão alto contando apenas com a própria força, que eu tinha confiança ilimitada na sua opinião pessoal. Da poltrona você regia o mundo. Sua opinião era a certa, todas as outras disparatadas, extravagantes, absurdas, anormais.
Você assumia pra mim o que há de enigmático em todos os tiranos, cujo direito está fundado não no pensamento, mas na própria pessoa. Logo cedo você me interditou a palavra. Sua ameaça: “nenhuma palavra de contestação!” e a mão erguida no ato me acompanharam desde sempre, na sua presença eu adquiri um modo de falar entrecortado e finalmente eu silenciei, porque na sua presença já não podia falar e nem pensar. Se eu queria fugir de você tinha que fugir também da família, até de minha mãe. Sempre era possível encontrar nela proteção, mas só em relação a você. Ela lhe amava demais e lhe dedicava demasiada fidelidade para que, numa luta contra o filho, pudesse ter por muito tempo um poder espiritual autônomo. Eu estava continuamente em desgraça. Ou eu obedecia-lhe os comandos, o que era uma desgraça, ou desafiava, o que também era uma desgraça. Eu já perdi minha autoconfiança diante de você e substitui por um ilimitado sentimento de culpa.
Franz Kafka