sábado, 19 de fevereiro de 2022

Canção de uma dama na sombra

- Daniel Gerhartz

Quando vem a taciturna e poda as tulipas:  

Quem sai ganhando? 

                  Quem perde?

                        Quem aparece na janela?  

Quem diz primeiro o nome dela?

É alguém que carrega meus cabelos.  

Carrega-os como quem carrega mortos nos braços.  

Carrega-os como o céu carregou meus cabelos no ano em que amei. 

Carrega-os assim por vaidade.    

E ganha. 

              E não perde. 

                         E não aparece na janela.   

E não diz o nome dela.    

É alguém que tem meus olhos.  

Tem-nos desde quando portas se fecham.  

Carrega-os no dedo, como anéis.  

Carrega-os como cacos de desejo e safira:  

era já meu irmão no outono;  

conta já os dias e noites.  

E ganha.

             E não perde. 

                    E não aparece na janela.    

E diz por último o nome dela.  

É alguém que tem o que eu disse.  

Carrega-o debaixo do braço como um embrulho.  

Carrega-o como o relógio a sua pior hora.  

Carrega-o de limiar a limiar, não o joga fora.  

E não ganha.

                    E perde. 

                              E aparece na janela.  

E diz primeiro o nome dela.    

E é podado com as tulipas. 

 

Paul Celan

(tradução: Claudia Cavalcanti )