Rolf Kullen |
Quando a vida aproxima-se do fim, não sabemos o que aconteceu com ela. Por que na velhice a vida que se tem detrás de si parece tão breve? Porque a consideramos tão curta como a recordação que conservamos dela. Consequentemente, tudo o que nela foi insignificante e grande parte do que foi doloroso foi esquecido e, portanto, resta muito pouca coisa. Porque do mesmo modo como nossa inteligência, em geral, é muito imperfeita, assim também a memória. Devemos exercitar aquilo que aprendemos com a experiência e ruminar nosso passado se não quisermos que ambos desapareçam lentamente no abismo do esquecimento. Porém, normalmente, não gostamos de ruminar o que foi insignificante, menos ainda aquilo que foi doloroso; não obstante, isso é indispensável se quisermos conservar sua lembrança. As coisas insignificantes se fazem cada vez mais numerosas; porque as repetições são frequentes ao princípio, porém no sucessivo se tornam inumeráveis, e muitos fatos que, à primeira vista, nos parecem importantes, perdem todo o interesse à medida que se repetem; assim, recordamos melhor nossos anos de juventude que os que se seguem. Logo, quanto mais tempo vivemos, menos acontecimentos há que pareçam importantes ou significantes o bastante para que mereçam ser ruminados. Entretanto, esse é o único meio de conservar sua recordação; se apenas passarem, os esquecemos. E por isso o tempo foge, deixando cada vez menos traços. Ademais, não gostamos tampouco de voltar às coisas desagradáveis, especialmente quando ofendem nossa vaidade, e isso é o que ocorre com mais frequência, porque poucas coisas desagradáveis nos ocorrem que não sejam por culpa nossa; esquecemos, pois, igualmente, muitas coisas penosas. Nossa memória se torna muito curta devido à eliminação dessas duas categorias de acontecimentos, e se torna cada vez mais curta à medida que mais material é acrescentado. Os anos transcorridos, com nossas aventuras e nossas ações, são como os objetos situados no litoral, que se tornam cada vez menores e mais difíceis de reconhecer e distinguir à medida que nosso barco se distancia. Ademais, há o fato de que a memória e a imaginação por vezes nos trazem uma cena de nossa vida, desaparecida há muito, com tanta vivacidade que nos parece que data de ontem; de modo que o acontecimento em questão parece se situar muito próximo do presente. Esse efeito resulta de que é impossível representarmos de uma só vez e com a mesma vivacidade o grande espaço de tempo que transcorreu entre então e agora. Não podemos abarcá-lo com o olhar em uma só imagem; além disso, os acontecimentos verificados nesse intervalo foram esquecidos em grande parte. Não nos resta disso mais que um conhecimento geral e abstrato daquilo que vivemos, uma simples noção, não uma imagem direta de alguma experiência particular. Então esse passado distante e isolado se apresenta tão próximo que parece ter ocorrido ontem; o tempo intermediário desaparece e nossa vida inteira nos parece uma brevidade incompreensível. Às vezes, na velhice, esse grande passado que temos detrás de nós e, por conseguinte, nossa própria idade, pode em certos momentos parecer-nos como um milagre. Isso resulta principalmente de que vemos sempre ante nós o mesmo presente fixo e imóvel. Os acontecimentos interiores dessa natureza, entretanto, estão fundados no fato de que não é nosso verdadeiro ser-em-si, senão somente sua aparência fenomênica, aquilo que existe sob a forma de tempo e que o presente é o ponto de contato entre o mundo como sujeito e o mundo como objeto. Ainda assim, por que na juventude a vida que temos diante de nós parece imensuravelmente longa? Porque precisamos encontrar espaço para alojar as esperanças ilimitadas com as quais a povoamos, e para cuja realização mesmo Matusalém teria morrido demasiado jovem. Outra razão é que tomamos por escala de sua medida o reduzido número de anos que já temos detrás de nós, cuja recordação é sempre rica em materiais e, portanto, extensa. Pois a novidade faz todas as coisas parecerem importantes; assim, ruminamos sobre elas, as evocamos em nossa memória repetidamente, e acabamos por fixá-las.
Arthur Schopenhauer, Aforismos para a sabedoria de vida