sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Christina Nguyen 


Chove?... Nenhuma chuva cai... 
Então onde é que eu sinto um dia 
Em que o ruído da chuva atrai 
A minha inútil agonia? 

Onde é que chove, que eu o ouço? 
Onde é que é triste, ó claro céu? 
Eu quero sorrir-te, e não posso, 
Ó céu azul, chamar-te meu... 

E o escuro ruído da chuva 
É constante em meu pensamento. 
Meu ser é a invisível curva 
Traçada pelo som do vento... 

E eis que ante o sol e o azul do dia, 
Como se a hora me estorvasse, 
Eu sofro... E a luz e a sua alegria 
Cai aos meus pés como um disfarce. 

Ah, na minha alma sempre chove. 
Há sempre escuro dentro em mim. 
Se escuto, alguém dentro em mim ouve 
A chuva, como a voz de um fim ... 

Quando é que eu serei da tua cor, 
Do teu plácido e azul encanto, 
Ó claro dia exterior, 
Ó céu mais útil que o meu pranto? 


Fernando Pessoa

In Cartas de Fernando Pessoa a Armando Côrtes-Rodrigues, 1944 
Ed. Confluência, Lisboa (3.ª ed. Livros Horizonte, Lisboa, 1985)