Mark Eliot Lovett. |
Meio escondida atrás do quiosque fechado, a mulher espiou. Para além da murada, o mar, de um verde-acinzentado, estava quase inofensivo. É verdade que engolira a areia do Leblon, ou pelo menos boa parte dela. Verdade também que sua borda de espuma era excepcionalmente larga, rendada de vagas de um tamanho fora do comum, que se chocavam umas com as outras. Mas dali, do alto do mirante, sua fúria era estática, como numa fotografia. E por um instante – um instante, apenas – a paisagem parecia serenada.
A mulher deu alguns passos à frente, quase debruçando-se na fita amarela que impedia a passagem para o deque de madeira, cuja estrutura vinha sendo abalada pelas ondas. E pôs-se na ponta dos pés, tentando espiar as pedras lá embaixo. O vento frio ainda lhe cortava o rosto, como quando ela saíra do carro, mas também parecia amainado.
Ergueu os olhos, voltando a admirar a paisagem. A bruma formada pelas gotículas de água salgada envolvia os prédios e os morros, formando um mundo de cores esmaecidas, adoentadas. E o instante de refluxo, em que o mar parecia preparar-se em silêncio para uma nova investida, continuava – hipnotizando-a. Era como estar no olho do furacão, sabendo que a qualquer momento a fúria voltaria. Ainda pior.
E voltou.
Ela não sentiu a onda chegar. Nem sequer uma trepidação. Foi algo surpreendente, inexplicável. Era cedo, ainda, e a mulher estava só – não havia ninguém para gritar, dizer-lhe que corresse. Não, não houve qualquer aviso. Ou talvez tudo tenha acontecido rápido demais.
De repente, descendo do céu – como um raio ou um castigo – caiu sobre ela a massa d’água. Compacta e encorpada, envolveu-a de um só jato, molhando-a por inteiro, mas molhando-a de verdade, não respingos ou borrifos, mas uma água quase sólida, que a deixou instantaneamente ensopada, roupas, cabelos, toda ela, da cabeça aos pés.
Deu um grito. Encolheu os ombros, ergueu os braços, tentou defender-se tardiamente daquela água que bateu nela como chicotada. Por um segundo, mal compreendendo o que se passava, ficou no mesmo lugar, os pés presos ao chão, sentindo que até mesmo suas meias, dentro do tênis, estavam molhadas de torcer.
Somente quando em um passo atrás, baixando a vista e olhando-se, foi que pareceu despertar. E caiu na risada. Uma risada sonora, desabrida, que preencheu o mirante vazio, rivalizando com o rugido do mar. Uma risada de alívio, uma explosão.
Aquela pancada a fizera sentir-se viva outra vez. A beleza das ondas corria em suas veias e seu corpo fora ungido pela força da natureza.
Não queria mais pensar na morte.
Heloísa Seixas