Essa coisa estranha e solitária, esse navegar é preciso, viver não, viver é se deixar consumir na procura e invenção de outras vidas, e não importa mais a vida, a própria, importa apenas o árduo trabalho da busca. Ou talvez não, talvez exatamente pelo oposto, por amar demasiadamente a vida, não só a própria como a de todos, a vida é que se entrega à loucura de emprestar a alma e viver intensamente outras emoções que nem são suas.
Será isso o talento? Uma condenação a se afastar pra sempre de si mesmo e se envolver com outras dores, outros tipos de amor e medo como se lhe pertencessem? Ou será uma benção? O dom de percorrer todas as gamas, todas as formas de ser, tudo que habita no desconhecido e se oculta e cabe à Criação, a delícia de desvendar, entrever aos poucos. Devagar. Por toda a vida.
Bruna Lombardi, do livro 'O perigo do dragão'