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fabian perez |
Quando consideramos como é vasto e próximo de nós o problema da existência, essa existência ambígua, perturbada, fugidia, semelhante a um sonho — um problema tão grande e tão próximo, que encobre e sobrepõe todos os outros problemas e finalidades logo que tomamos consciência dele — e quando consideramos que todos os homens, com exceção de alguns poucos, não são claramente conscientes desse problema, nem parecem perceber sua existência, mas se preocupam antes com qualquer outro assunto e vivem apenas no dia de hoje sem levar em conta a duração não muito longa de seu futuro pessoal, seja renegando expressamente aquele problema, ou contentando-se em relação a ele com algum sistema da metafísica popular; digo, quando consideramos tudo isso, podemos chegar à conclusão de que o homem só pode ser chamado de ser pensante num sentido muito amplo. Nesse caso, não nos surpreenderá nenhum gesto de irreflexão ou tolice, pois saberemos que o horizonte intelectual do homem normal pode até ultrapassar o do animal — cuja existência, sem nenhuma consciência do futuro e do passado, é inteiramente presente —, mas não está tão distante deste quanto se supõe. Isso explica porque os pensamentos da maioria dos homens, quando conversam, parecem cortados tão rentes quanto um gramado, de modo que não é possível encontrar nenhum fio mais longo.
Se esse mundo fosse habitado por verdadeiros seres pensantes, seria impossível haver essa tolerância ilimitada em relação aos ruídos de toda espécie, inclusive os mais horríveis e despropositados. De fato, se a natureza tivesse destinado o homem a pensar, ela não lhe daria ouvidos, ou pelo menos os proveria de tampões herméticos, como é o caso dos morcegos, que invejo por isso. Mas, na verdade, o homem é um pobre animal assim como os outros, cujas forças são apenas suficientes para conservar sua existência.
Por isso precisa de ouvidos sempre abertos que lhe anunciem a aproximação do perseguidor seja de noite ou de dia.
Arthur Schopenhauer, in A Arte de Escrever.