“Em todos há uns ares de pequenos disfarces, alisam simultâneos o dorso do cão, será porque a pergunta traz no corpo mergulhadas as palavras Tempo e Duração? Eternidade e seu corpo de pedra e dentro desse corpo o tempo procraz insolência soterrado na carne, ai Rute se o tempo no teu rosto te cobrisse de rugas, se tivesse a dura e adocicada comunhão com as coisas, talvez sim tu serias mais bela porque o rosto adquire a refulgência e dor e maravilha e matéria de tudo o que te rodeia te penetra, e ao invés de gastares teu ouro no apagar das linhas finas e dos sulcos, tu te tocarias amante, mansa, sabendo que o vestígio de todas as solidões se fez presença no teu rosto, que o sofrido da água é cicatriz agora ao redor da tua boca, que tomaste para tua fronte a linha funda da pedra. Ruteidade de Rute se te conhecesses como Tadeu desejaria, se deixasses que o Tempo fizesse a sua casa no teu centro, se a nossa casa tivesse sido a vida de nossas próprias casas, Se Tadeu tivesse ouvido aquele murmúrio ecoante adolescente que se fez inesperado em verso: cria a tua larva em silêncio,também estou mudo e aguardo. e ao contrário, me fiz num caminhar insano e fui atrás dos teus murmúrios ocos e a vaidade tomou posse do meu corpo quem sabe se porque te via, Rute, dourada, os crepes da cor de um tabaco escolhido esvoaçavas sobre os tapetes cor de sangue, mas na verdade teus sapatos mínimos mergulhavam no sangue de Tadeu, eu não sabia, eras adequada ao cenário da sala, como se um traço fosse pensado apenas para te colocar num pergaminho-marfim mais precioso, e depois te sentavas nos tecidos listados, ostro do respaldar te refletindo a cara, Rute cravada no palco, e eu procurava um texto sábio para contraponto e me via repetindo os versos de um homem que conheci lúcido-louco: ames ou não ó minha amada / quero-te sempre boa atriz / mentir amor não custa nada / e custa tanto ser feliz."
Hilda Hilst - TADEU (da razão), do livro "Tu não te moves de ti"