sábado, 6 de setembro de 2014

Meia-Noite e um Quarto

49.

a juíza das minhas loucuras
é severa demais pra me inocentar
não cobra depoimentos
nem sopra os ferimentos da tortura
simplesmente decreta pra minha culpa
prisão domiciliar

50.

não me traia
nessas noites nupciais
em que sais com outras mulheres sem
que eu saiba

51.

quero morar
no teu lugar comum
fazer previsões
improvisadas
crises pré-datadas
e ser dois em um
bem clichê
batom no copo
lingerie e Sinatra
bem eu e você
kitch por uma noite
adoraria

52.

bem que podia ser diferente
mas não foi e eu fiquei assim
pareço estranha mas comum demais
tão óbvia que surpreende a todos
puríssima que embriaga a voz
distante que se sente a pele
tão boa que nem satisfaz
grito
na que se pede bis
voraz que se apaixona fácil
mentira que não engana mais
sei lá o que foi que eu fiz

53.

à noite
todos os gatos são pardos
e raros
perdida na noite procuro
leopardos
esses homens secretos que fogem
no escuro

54.

me recuso a dar informações
sobre o paradeiro das minhas idéias malditas
elas se escondem bem demais
só eu sei o caminho só eu sei
em quem dói mais



55.

minhalma portuguesa
pois pois
não tem nada de Portugal
sou Inglaterra descarada
seca e civilizada
performance o dia inteiro
no peito
um coração underground

56.

odeio
a ignorância dessa aldeia
escapo pelas frestas
embarco em outros vôos
já tenho minhas passagens
secretas

57.

way out
saída de metrô
South Kensington Station
você na cabeça
minha mente voou
um museu, um punk
uma saudade
falo inglês pensando em português
eu amo você
como você mudou

58.

amor por correspondência
tem problema de fuso horário
ele voe entende tarde demais
eu desisto dele muito cedo

59.

minha boca
é pouca
pro desejo
que anda à solta



Martha Medeiros
Meia-Noite e um Quarto, 1987