sábado, 2 de agosto de 2014



— É bastante curioso, meu amigo, mas o senhor tocou num problema que há muito tempo me preocupa: a dificuldade de comunicação precisa entre o clero e os leigos. É uma dificuldade que, ao invés de diminuir, aumenta, e que inibe mesmo a intimidade purificante do confessionário. A raiz disso, penso eu, é esta: a Igreja é uma teocracia, governada por uma casta sacerdotal, da qual o senhor e eu somos membros. Temos uma linguagem própria — uma linguagem hierática, se quiser — formal, estilizada, admiravelmente adaptada a definições legais e teológicas. Infortunadamente, também temos uma retórica própria que, como a retórica do político, diz muito e comunica pouco. Mas não somos políticos. Somos professores — professores de uma verdade que afirmamos ser essencial para a salvação do homem. Contudo, como é que a pregamos? Falamos incessantemente de fé e esperança, como se estivéssemos empregando uma forma cabalística de encantamento. Que é a fé? Um salto no escuro para as mãos de Deus. Um ato inspirado da vontade, que constitui a nossa única resposta ao terrível mistério de se saber de onde viemos e para onde vamos. "Que é a esperança? A confiança de uma criança na mão que a afastará dos terrores que avançam no escuro. Pregamos o amor e a fidelidade, como se se tratasse de assunto de mesa de chá... E não de corpos a contorcer-se numa cama e de palavras ardentes em lugares escuros, e de almas atormentadas pela solidão e levadas à comunhão momentânea de um beijo. Pregamos a caridade e a compaixão, mas raramente dizemos o que significam: mãos que lidam em meio à sujeira de quartos de doentes, que limpam o pus de feridas sifilíticas. Falamos ao povo todos os domingos, mas nossas palavras não chegam até os que nos
ouvem, pois esquecemos a nossa língua materna.

Morris West, O advogado do diabo