quarta-feira, 23 de abril de 2014

Ternura

ennio montariello



Enquanto nesta atroz demora, 
Que me tortura, que me abrasa, 
Espero a cobiçada hora 
Em que irei ver-te à tua casa; 

Por enganar o meu desejo 
De inteira e descuidada posse, 
Ai de nós! que não antevejo 
Uma só vez que ao menos fosse; 

Sentindo em minha carne langue 
Toda a volúpia do teu sonho, 
Toda a ternura do teu sangue, 
Minh'alma nestes versos ponho; 

Por que os escondas de teu seio 
No doce o pequenino vale, 
— Por que os envolva o teu enleio, 
Por que o teu hálito os embale; 

E o meu desejo, que assim foge 
Ao pé de ti e te acarinha, 
Possa sentir que minha és hoje, 
E és para todo o sempre minha... 


Manuel Bandeira, em "A cinza das horas"