Lembrança
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Yuri Yarosh. |
Lembro o pudor da paisagem
e a fanfarra de perfumes
que o claro clarim dos lírios
abria nas madrugadas.
Lembro o susto dos insetos
na castidade das águas,
e as asas do pó fugindo
atrás da luz desnudada.
Lembro a fala dos caminhos
ao longo dos passos cegos,
e os ventos enovelados
na cabeleira das nuvens.
Lembro o bulício da palha
quando pisavas a tarde,
os olhos cheios de folhas
e as mãos repletas de ninhos.
Lembro a noite dos meus olhos
sem luas no seu silêncio,
quando ficavas na sombra
e a sombra ficava estrela.
Lembro a palavra parada
na flor adiada da boca,
e lembro o beijo retido
ao gesto alado de adeuses.
Guilherme de Almeida, “O Anjo de Sal”, 1951