terça-feira, 29 de outubro de 2013

O símbolo perdido


- O corpo humano é espantoso  - disse ela  – Se você o priva de uma informação sensorial, os outro sentidos assumem o comando quase no mesmo instante.
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- Chama-se Câmara de Reflexões. Estas salas são lugares frios e austeros onde um maçom pode refletir sobre a prória mortalidade. Ao meditar sobre o caráter inevitável da morte, um maçom adquire uma valiosa compreensão sobre a natureza efêmera da vida.
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- Bebeu dois copos d’água para acalmar o estômago faminto. Então foi até o espelho e estudou seu corpo nu. Os dois dias de jejum haviam acentuado sua musculatura e ele não pôde deixar de admirar aquilo em que tinha se transformado. Ao raiar do dia, eu serei muito mais.
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- Langdon sabia que o decano estava certo. O famoso aforismo hermético – Não sabeis que sois deuses? – era um dos pilares dos Antigos Mistérios. Assim em cima como embaixo... homem criado à imagem de Deus... apoteose... Essa mensagem persiste da divindade do próprio homem – de seu potencial oculto – era o tema recorrente dos textos antigos de inúmeras tradições. Até mesmo a Bíblia Sagrada, em Salmos 82:6, proclamava: Vós sois deuses!
- Professor – disse o velho -, eu entendo que o senhor, assim como muitas pessoas instruídas, vive dividido, com um pé no mundo espiritual e o outro no mundo físico. Seu coração anseia por acreditar... mas seu intelecto se recusa a permitir isso. Como acadêmico, seria sensato da sua parte aprender com as grandes mentes da história. – Ele fez uma pausa e pigarreou. – Se não me falha a memória, uma das maiores mentes de todos os tempos afirmou: “Aquilo que é impenetrável para nós existe de fato. Por trás dos segredos da natureza há algo sutil, intangível e inexplicável. A veneração a essa força que está além de tudo o que podemos compreender é a minha religião.”
- Quem disse isso? – indagou Langdon. – Gandhi?
- Não – respondeu Katherine. – Albert Einstein.
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Um ano antes, Katherine e o irmão estavam conversando sobre uma das questões mais perenes da filosofia – a existência da alma -, e em particular se os humanos possuem ou não algum tipo de consciência capaz de sobreviver fora do corpo.
Ambos intuíam que essa alma humana provavelmente existia. A maioria das filosofias antigas também acreditava nisso. O budismo e o bramanismo endossavam a metempsicose – a reencarnação, a transmigração da alma para um novo corpo após a morte. Os platônicos sustentavam que o corpo é uma “prisão” da qual a alma escapa. E os estoicos a chamavam de apospasma tou theu – “uma partícula de Deus” – e acreditavam que, na hora da morte, ela volta para junto Dele.
A existência da alma humana, percebeu Katherine com alguma frustração, era provavelmente um conceito que jamais seria provado pela ciência. Confirmar que uma consciência sobrevive fora do corpo humano após a morte equivalia a soltar uma nuvem de fumaça pela boca e esperar encontrá-la anos depois.
Após a conversa com o irmão, Katherine teve uma ideia estranha. Peter havia mencionado o Livro do Gênesis e sua descrição da alma como Neshemah – um sopro de vida, uma espécie de “inteligência” espiritual separada do corpo. Ocorreu-lhe que a palavra inteligência sugeria a presença de pensamento. A ciência noética propõe que os pensamentos têm massa, portanto, era lógico que a alma humana também poderia ter.
Seria possível pesar a alma humana?
Era um conceito absurdo, é claro... o simples fato de cogitar isso era tolice.
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A mente de Robert Langdon pairava sobre um abismo sem fim.
Nenhuma luz. Nenhum som. Nenhuma sensação.
Somente um vazio infinito e silencioso.
Suavidade.
Ausência de peso.
Seu corpo o havia libertado. Nada mais o prendia.
O mundo físico deixara de existir. O tempo deixara de existir.
Ele agora era pura consciência... uma inteligência descarnada suspensa no vazio de um Universo incomensurável.
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As nossas mitologias têm uma longa tradição de palavras mágicas capazes de proporcionar uma compreensão profunda e poderes divinos. Até hoje as crianças gritam ”abracadabra” na esperança de criar algo a partir do nada. É claro que todos nós esquecemos que essa palavra não tem nada a ver com brincadeira. Suas raízes estão no antigo misticismo aramaico: avra kedabra significa “Eu crio ao falar”.
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- Senhorita? – ele apontou para a combativa menina loura no fundo do auditório. – Sei que nós dois não concordamos em muita coisa, mas quero lhe agradecer. Sua paixão é um catalisador importante das mudanças que estão por vir. As trevas se alimentam de apatia... e a convicção é nosso mais potente antídoto. Continue cultivando sua fé. Estude a Bíblia. – ele sorriu. – Principalmente as últimas páginas.
- O apocalipse? – indagou ela.
- Claro. O Livro do Apocalipse é um exemplo vibrante de nossa verdade compartilhada. Ele conta a mesmíssima história que inúmeras outras tradições. Todas elas predizem a futura revelação de um grande saber.
- Mas o Apocalipse não fala sobre o fim do mundo? – perguntou outra pessoa.
- O senhor sabe... O Anticristo, o Armagedom, a batalha decisiva entre o bem  e o mal?
Solomon deu uma risadinha.
- Quem aqui estuda grego?
Várias mãos se levantaram
- qual o significado literal da palavra apocalipse?
- Apocalipse significa... – começou a responder um aluno, parando no meio como se estivesse surpreso – “desvendar”... ou “revelar”.
Salomon balançou a cabeça para o menino em um gesto de aprovação.
- Isso mesmo. Apocalipse quer dizer literalmente revelação. O último livro da Bíblia prevê o desvendamento de uma grande verdade e de um conhecimento inimaginável. O apocalipse não é o fim do mundo, mas sim o fim do mundo tal como nós o conhecemos. Essa profecia é apenas uma das lindas mensagens da Bíblia que foram distorcidas. – Solomon caminhou até a frente do tablado. – Podem acreditar em mim, o Apocalipse está chegando... e não vai se parecer em nada com o que nos ensinaram.
Bem alto acima de sua cabeça, o sino começou a dobrar.
Os alunos irromperam atônitos em uma estrondosa salva de palmas.
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A infame técnica de interrogatório conhecida como water boarding é altamente eficaz porque a vítima acredita mesmo estar se afogando. Sato sabia de várias operações confidenciais em que tanques de privação sensorial como aquele haviam sido usados para levar essa ilusão a níveis aterrorizantes. Uma vítima submersa em líquido respirável podia ser literalmente “afogada”. O pânico associado à experiência do afogamento em si fazia com que a vítima, em geral, nem percebesse que o líquido que estava respirando era mais viscoso do que a água. Quando ele entrava em seus pulmões, a pessoa em geral desmaiava de medo, acordando em seguida no mais perfeito “confinamento solitário”.
Anestésicos tópicos e drogas de efeito paralisante e alucinógeno eram misturados ao líquido oxigenado para dar ao prisioneiro a sensação de que ele estava totalmente separado do próprio corpo. Quando sua mente enviava comandos para mover pernas e braços, nada acontecia. O estado de “morte” por si só já era apavorante, mas a verdadeira desorientação vinha do processo de “renascimento” que, com o auxílio de luzes intensas, ar frio e barulho ensurdecedor, podia ser extremamente traumático e doloroso. Após um punhado de “renascimentos” e afogamentos subsequentes, o prisioneiro ficava tão desorientado que não fazia mais ideia se estava vivo ou morto... e contava absolutamente qualquer coisa a quem estivesse conduzindo o interrogatório.
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- Como você bem sabe... o segredo é saber como morrer.
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O objetivo do ritual maçônico é despertar o homem adormecido dentro de cada um, tirá-lo de seu escuro caixão de ignorância, alçá-lo à luz e dar-lhe olhos para ver. Somente por meio da morte o homem pode compreender totalmente sua experiência de vida. Apenas depois de entender que seus dias na Terra são finitos ele pode compreender a importância de vivê-los com honra, integridade e altruísmo.
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Todas as grandes verdades são simples.
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Os tesouros mais preciosos muitas vezes são os mais simples.
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Eu estou olhando para mim mesmo, uma ruína de carne ensanguentada sobre a plataforma sagrada de mármore. Meu pai está ajoelhado atrás de mim, segurando minha cabeça sem vida com a única mão que lhe resta.
Sinto uma onda crescente de raiva... e de confusão.
A hora não é de compaixão... mas de vingança, de transformação... porém, mesmo assim, meu pai se recusa a ceder, a cumprir seu papel, a canalizar sua dor e sua raiva para a lâmina da faca e cravá-la no meu coração.
Estou amarrado aqui, suspenso... preso à minha casca terrena.
Meu pai passa suavemente a palma da mão pelo meu rosto para fechar meus olhos que se apagam.
Sinto as amarras se soltarem.
Um véu esvoaçante se materializa à minha volta, tornando-se mais espesso e fazendo a luz diminuir, escondendo o mundo de mim. De repente, o tempo se acelera e estou mergulhando em um abismo muito mais escuro do que algum dia pude imaginar. Ali, dentro de um vazio estéril, ouço um sussurro... sinto uma força se acumular. Ela vai ficando mais potente, crescendo a uma velocidade espantosa, me rodeando. Assustadora e poderosa. Sombria e impotente.
Eu não estou sozinho aqui.
Este é meu triunfo, minha grande recepção. No entanto, por algum motivo, sinto-me cheio não de alegria, mas de um medo sem limites.
É totalmente diferente do que eu esperava.
A força então se agita, rodopiando ao meu redor com uma potência irrefreável, ameaçando me partir ao meio. De repente, sem aviso, as trevas se adensam como uma grande fera pré-histórica, empinando-se à minha frente.
Estou diante de todas almas obscuras que me precederam.
Estou gritando com um terror sem fim... enquanto a escuridão me devora por dentro.

Dan Brown, O  símbolo perdido