domingo, 13 de outubro de 2013
32 - Ser injusto é necessário
Todos os juízos acerca do valor da vida se desenvolveram ilogicamente e são, por isso, injustos. A impureza do juízo encontra-se, em primeiro lugar, na maneira como o material se apresenta, isto é, muito incompleto; em segundo lugar, na maneira como é efetuada a respectiva soma; e, em terceiro lugar, no fato de cada um dos fragmentos do material ser, por seu lado, resultado de um conhecimento impuro e isto, na verdade, de forma absolutamente necessária. Nenhum conhecimento obtido pela experiência acerca, por exemplo, de uma pessoa, por muito perto que esta esteja de nós, pode ser completo, de modo que nós tenhamos um direito lógico a uma avaliação global da mesma. Todas as estimativas são precipitadas e têm de o ser. No fim das contas, a medida, com a qual nós medimos, ou seja, o nosso ser, não é uma grandeza invariável; nós temos estados de espírito e oscilações, e, não obstante, deveríamos conhecer-nos a nós próprios como uma medida fixa para podermos avaliar justamente a relação de qualquer coisa conoso. Talvez se conclua de tudo isto que não se deveria julgar de todo em todo; mas se se pudesse sequer viver sem avaliar, sem ter anipatia nem simpatia!... pois toda a versão está ligada a uma estimativa, tal qual como toda a inclinação. Uma tendência no sentido de qualquer coisa, ou para longe de qualquer coisa, sem um sentimento de que se quer o proveitoso e se evita o prejudicial, uma tendência sem uma espécie de estimativa diferenciadora quanto ao valor do objetivo não existe no ser humano. Nós somos de antemão seres ilógicos e, por isso, injustos, e podemos reconhecê-lo; esta é uma das maiores e mais insolúveis desarmonias da existência.
Friedrich Nietzsche - Humano, demasiado humano
Editora Rideel, SP. Tradução: Heloisa da Graça Burati, p.50