sexta-feira, 28 de junho de 2013

Entre Muitos

Angelo Asti



Sou quem sou.
Um acaso inconcebível
como todos os acasos.

Fossem outros antepassados
poderiam afinal, ser os meus,
e então de outro ninho
eu sairia voando,
e debaixo de outro tronco
rastejaria, coberta de escamas.

No guarda-roupa da Natureza
há trajes de sobra:
o traje da aranha, da gaivota, do rato do campo.
Cada um cai como uma luva
e é usado sem reclamar
até se gastar por completo.

Eu tampouco tive alternativa,
mas não me queixo.
Poderia ser alguém
muito menos individual.
Alguém do cardume, do formigueiro, zunindo no enxame,
uma partícula da paisagem agitada pelo vento.

Alguém muito menos feliz,
criado para uso da pele,
para a mesa da festa,
ou algo que nadasse sob a lente.

Uma árvore presa à terra,
da qual se aproxima o fogo.

Um mero cisco esmagado
pela marcha de inconcebíveis eventos.

Um indivíduo nascido sob uma sina ruim
que para outros se ilumina.

E o que seria se eu despertasse nas pessoas medo?
Ou só aversão?
Ou só piedade?

Se não tivesse nascido
na tribo certa
e a minha frente se fechassem os caminhos?

Até agora, a sorte
mostrou-se me favorável.

Poderia não ter-me sido dada
a lembrança dos bons momentos.

Poderia ter-me sido negada
a tendência para comparar.

Poderia até ser eu própria
mas sem o dom da admiração
quer dizer - alguém completamente diferente.


Wislawa Szymborska