terça-feira, 7 de maio de 2013

Sigmund Freud by Viktor Krausz Wilhelm


"A sociedade civilizada, que exige boa conduta e não se preocupa com a base instintual dessa conduta, conquistou assim a obediência de muitas pessoas que, para tanto, deixam de seguir suas próprias naturezas. Estimulada por esse êxito, a sociedade se permitiu o engano de tornar maximamente rigoroso o padrão moral, e assim forçou os seus membros a um alheamento ainda maior de sua disposição instintual. Conseqüentemente, eles estão sujeitos a uma incessante supressão do instinto, e a tensão resultante disso se trai nos mais notáveis fenômenos de reação e compensação. No domínio da sexualidade, onde é mais difícil realizar essa supressão, o resultado se manifesta nos fenômenos reativos das desordens neuróticas. Em outros lugares, é verdade que a pressão da civilização não traz em seu rastro quaisquer resultados patológicos, mas se revela em deformações do caráter e na perpétua presteza dos instintos inibidos em irromper, em qualquer oportunidade adequada, em proveito da satisfação. Qualquer um, compelido dessa forma a agir continuamente em conformidade com preceitos que não são a expressão de suas inclinações instintuais, está, psicologicamente falando, vivendo acima de seus meios, e pode objetivamente ser descrito como um hipócrita, esteja ou não claramente cônscio dessa incongruência. É inegável que nossa civilização contemporânea favorece, num grau extraordinário, a produção dessa forma de hipocrisia. Poder-se-ia dizer que ela está alicerçada nessa hipocrisia, e que teria de se submeter a modificações de grande alcance, caso as pessoas se comprometessem a viver em conformidade com a verdade psicológica. Assim, existem muito mais hipócritas culturais do que homens verdadeiramente civilizados – na realidade, trata-se de um ponto discutível saber se certo grau de hipocrisia cultural não é indispensável à manutenção da civilização, uma vez que a suscetibilidade à cultura, que até agora se organizou nas mentes dos homens dos nossos dias, talvez não se revele suficiente para essa tarefa."


Sigmund Freud, "Reflexões para os tempos de guerra e morte"