quinta-feira, 25 de abril de 2013
O Existencialismo é um humanismo
O existencialismo ateu que eu represento é mais coerente. Afirma que, se Deus não existe, há pelo menos um ser no qual a existência precede à essência, um ser que existe antes de poder ser definido por qualquer conceito: este ser é o homem, ou, como diz Heidegger, a realidade humana. O que significa, aqui, dizer que a existência precede à essência? Significa que numa primeira instância o homem existe, encontra a si mesmo, surge no mundo, e só posteriormente se define. O homem, tal como o existencialista o concebe só não é passível de uma definição porque, de início, não é nada: só posteriormente será alguma coisa e será aquilo que ele fizer de si mesmo. Assim, não existe natureza humana, já que não existe um Deus para concebê-la. O homem é tão-somente, não apenas como ele se concebe, mas também como ele se quer; como ele se concebe após a existência, como ele se quer após esse impulso para a existência. O homem nada mais é do que aquilo que ele faz de si mesmo: é esse o primeiro princípio do existencialismo. É também a isso que chamamos de subjetividade: a subjetividade de que nos acusam. Porém nada mais queremos dizer que a dignidade do homem é maior do que a da pedra ou da mesa. Pois, queremos dizer que, antes de mais nada, o homem existe, ou seja, o homem é, antes de mais nada, aquilo que se projeta num futuro e que tem consciência de estar projetando num futuro. De início, o homem é um projeto que se vive a si mesmo subjetivamente, ao invés de musgo, podridão ou couve-flor; nada existe antes desse projeto; não há nenhuma inteligibilidade no céu, e o homem será apenas o que ele projetou ser. Não o que ele quis ser, pois entendemos vulgarmente o querer como uma decisão consciente que, para quase todos nós, é posterior àquilo que fizemos de nós mesmos. Eu quero aderir a um partido, escrever um livro, casar-me, tudo isso são manifestações de uma escolha mais original, mais espontânea do que aquilo que chamamos de vontade. Porém, se realmente a existência precede à essência, o homem é responsável pelo que é. Desse modo, o primeiro passo do existencialismo é o de pôr todo homem na posse do que ele é, de submetê-lo à responsabilidade total de sua existência. Assim, quando dizemos que o homem é responsável por si mesmo, não queremos dizer que o homem é apenas responsável pela sua estrita individualidade, mas que ele é responsável por todos os homens. A palavra subjetivismo tem dois significados (...). Subjetividade significa, por um lado, escolha do sujeito individual por si próprio, e por outro lado, impossibilidade em que o homem se encontra em transpor os limites da subjetividade humana. É esse segundo significado que constitui o sentido profundo do existencialismo. Ao afirmarmos que o homem se escolhe a si mesmo, queremos dizer que cada um de nós se escolhe, mas queremos dizer também que, escolhendo-se, ele escolhe todos os homens. De fato, não há um único de nossos atos que, criando o homem que queremos ser, não esteja criando, simultaneamente, a imagem de um homem tal qual julgamos que ele deva ser. Escolher ser isto ou aquilo é afirmar concomitantemente o valor do que estamos escolhendo, pois não podemos nunca escolher o mal; o que escolhemos é sempre o bem e nada pode ser bom para nós se não o ser para todos. Se, por um lado, a existência precede a essência, e se nós queremos existir ao mesmo tempo que moldamos a nossa imagem, essa imagem é válida para todos e para todas a nossa época.
Jean-Paul Sartre, O existencialismo é um humanismo