terça-feira, 9 de abril de 2013
Marguerite Duras, "Olhos azuis, cabelos pretos"
Uma noite de verão, disse o ator, seria o centro da história.
Nem um brisa. E já exposto a cidade, sacadas e vidraças abertas entre a noite vermelha do crepúsculo e a penumbra do parque, o vestíbulo do Hotel das Rochas.
No seu interior, mulheres com crianças falam da noite de verão, é tão raro, talvez duas ou três vezes na estação e mesmo assim nem todos os anos, que é preciso desfrutá-la antes de morrer, porque não se sabe se Deus proporcionará viver outras tão belas.
Fora, no terraço do hotel, os homens. São ouvidos tão claramente quanto elas, as mulheres do vestíbulo. Também falam dos verões passados nas praias do norte. Em toda parte, igualmente leves e vazias, vozes falam da excepcional beleza da noite de verão. Entre as pessoas que observam o espetáculo da estrada atrás do hotel, um homem se adianta. Atravessa o parque e se aproxima de uma janela aberta.
Pouco antes de ele atravessar a estrada, questão de segundos, ela, a mulher da história chega ao vestíbulo. entrou pela porta que dá para o parque. Quando o homem chega à janela, ela já está ali, a alguns metros dele, entre as outras mulheres.
De onde se encontra, o homem, mesmo que quisesse, não poderia ver-lhe o rosto. Na verdade ela está voltada para a porta do vestíbulo, que dá para a praia.
É jovem. Usa tênis branco. Vê-se seu corpo esbelto e flexível, a brancura da pele, nesse verão de sol, os cabelos pretos. Só contra a luz seria possível ver-lhe o rosto, de uma janela que desse para o mar. Está de short branco. Na cintura uma echarpe amarrada negligentemente. Nos cabelos uma fita azul-escuro que deveria pressagiar um azul de olhos que não se pode ver.
Súbito chamam do hotel. Não se sabe quem.
Gritam um nome de sonoridade insólita, perturbadora, feita de uma vogal chorosa e prolongada de um a do continente e de seu tremular entre paredes vítrias de consoantes irreconhecíveis, um t por exemplo ou um /.
A voz que grita é tão clara e alta que as pessoas param de falar e esperam uma espécie de explicação que não virá.
Pouco depois do grito, pela porta que a mulher está olhando, a das escadas do hotel, um jovem estrangeiro entra no vestíbulo. Um jovem estrangeiro de olhos azuis cabelos pretos.
O jovem estrangeiro junta-se à moça. Como ela, é jovem. É alto como ela, como ela está de branco.Ele se detém. Era ela que ele havia perdido. A luz refletida do terraço torna seus olhos terríveis de tão azuis. Quando se aproxima dela, percebe-se que está repleto da alegria de havê-la reencontrado e preso do desespero de ainda vir a perdê-la. Tem a tez branca dos amantes. Os cabelos pretos. Chora.
Não se sabe quem gritou a palavra, desconhecida exceto em se supor ter vindo das trevas do hotel, dos corredores, dos quartos.
No parque, desde a aparição do jovem estrangeiro, o homem, sem perceber, aproximou-se da janela do vestíbulo. Suas mãos estão agarradas ao peitoril dessa janela, parecem privadas de vida, descompostas pelo esforço de olhar, pela emoção de ver.
Com um gesto, a moça aponta ao jovem estrangeiro a direção da praia, ela o convida a segui-la, toma sua mão, ele mal resiste, ambos dão as costas à janela do vestíbulo e afastam-se para onde ela havia apontado, em direção ao crepúsculo.
Saem pela porta que dá para o mar.
O homem permanece atrás da janela aberta. Espera. Fica ali durante muito tempo, até a saída das pessoas, a chegada da noite. Em seguida deixa o parque passando pela praia, titubeia como um homem embriagado, grita, chora como pessoas desesperadas em filmes tristes.
É um homem elegante, magro e alto. No desastre que vive neste momento resta o olhar afogado na simplicidade das lágrimas e o aparato muito particular de roupas muito caras, muito belas.
Marguerite Duras, "Olhos azuis, cabelos pretos"