sexta-feira, 5 de abril de 2013
Insetos e gentilezas
Eu havia chegado em casa bêbado, como de costume. Então aquele mosquito, pernilongo ou sei lá o quê, aproximou-se e disse:
— "Posso?"
— "Pode o quê?", perguntei.
— "Amigo, tô com fome. Preciso de sangue. Posso te picar, por favor?"
É incrível como a gentileza faz diferença. Que bicho educado, pensei.
— "Ah, tá. Claro que pode, fique à vontade. Mas tenho que avisar que..."
Antes que eu pudesse terminar a frase, o inseto cravou suas microscópicas mandíbulas sugadoras em meu braço. Sugou o que ele achava ser sangue. Alguns segundos depois ele percebeu que havia algo errado. Percebeu que não, o gosto não era de sangue. Tentou voar para longe de mim. Rapidamente eu deixei de ser provedor de comida e me tornei uma ameaça nuclear para o pequeno inseto. Mas seu voo era todo errático, ele ficou completamente tonto, não conseguia ir em uma direção reta.
Bateu contra a parede algumas vezes. Parecia que queria vomitar, se é que insetos vomitam. Mas o líquido já havia entrado no seu corpo, não tinha mais jeito ou volta. Gritei para ele:
— "Tentei avisar, amigo. Você certamente não me conhece. Se tiver alguma gota de sangue na minha corrente alcoólica, é puro milagre... Você tem sorte de estar vivo!"
O inseto se debatia contra a parede e tentava balbuciar palavras em minha direção. Eram parcialmente incompreensíveis, mas ouvi algo como "MERD...!", "SACANAG...!", "FILHO DA P...!", e outras coisas assim. A gentileza e a educação duraram pouco, pelo jeito.
Num último esforço, o inseto ganhou altura e fugiu pela janela em meio à chuva torrencial. Não sei se ele sobreviveu. Raios, não sei nem se eu sobrevivi.
Charles Bukowski