domingo, 7 de abril de 2013

Exercícios para uma ideia


Exercício 1

Se permitires
Traço nesta lousa
O que em mim se faz
E não repousa:
Uma Ideia de Deus.

Clara como Cousa
Se sobrepondo
A tudo que não ouso.

Clara como Cousa
Sob um feixe de luz
Num lúcido anteparo.

Se permitires ouso
Comparar o que penso
A Ouro e Aro
Na superfície clara
De um solário.

E te parece pouco
Tanta exatidão
Em quem não ousa?

Uma ideia de Deus
No meu peito se faz
E não repousa.

E o mais fundo de mim
Me diza apenas: Canta,
Porque à tua volta
É noite. O Ser descansa.
Ousa.

Exercício 2

Épura, que translúcida 
Se projeta.

Épura, feixe solar,
E de cristal. E ereta.

Épura, réstia de luz
Sobre a mão destra.

Épura, que a um só tempo
Se renova. E sem limite
Ou aresta

Toma corpo no Todo 
E recomeça.

Exercício 3

Dentro do prisma
A base, o vértice
De suas três 
Pirâmides contínuas.

Dentro do prisma
A ideia
Que perdura e ilumina
O que já era em mim
De natureza pura.

Dentro do prisma
O universo
Sobre si mesmo fechado
Mas aberto e alado.

Dentro de mim,
De natureza ígnea:
Uma ideia do Amado.

Exercício 4

De espaço-tempo
De corpo e campo
Teu fundamento.

E teu nome é matéria.
Única. De estrutura
Infinitamente múltipla.

E se teu vértice pousa
Te fazes igualmente
Em Delta. E repousas.

Em ti
Começaria a minha ideia.

Exercício 5 

E se a mão se fizer
De ouro e aço,
Desenharei o círculo.
E dentro dele

O equilátero.

E se a mão não puder,
Hei de pensar o Todo
Sem o traço.

E se o olhar 
A um tempo se fizer
Sol e compasso
Medita:

Retículo de prata
Esfera e asa
Tríplice
Una 
E infinita.

Exercício 6

E de todos os rumos
Pensei
(Como quem vê a prumo)
Um só núcleo pulsando
Claro-Escuro.

Se quiseres
Chamaremos de Delta
O feixe que se esconde,
E Eta o júbilo de ser
Área de luz e cone.
E se o núcleo é um só,
É lícito entenderes 
O que Delta resguarda
Do teu olhar alerta

E poderás dizer 
Que um e outro
São infinitos-extensos
De um só Ser.

Exercício 7

Vereis em cada círculo
Três dimensões de um todo
Aparentemente bipartido.

Alfa se refaz. É expansão
E é cíclico. Ômega se contrai
Em nova direção. Em essência
Alimenta-se
Daquela que é princípio.

Mas sempre é o mesmo Ser
Num movimento líquido
De inspiração-expiração.

Sem finitude ou arbítrio.


Hilda Hilst, Exercícios, Editora Globo, p. 29-36