domingo, 21 de abril de 2013

Autotomia

Omar Ortiz


Em perigo, a holotúria divide-se em duas: uma delas entrega-se à
à voracidade do mundo, a outra lhe escapa. 

Desagrega-se de repente em perdição e salvação, em multa e em prêmio,
no que foi e no que será. 

No meio do corpo da holotúria abre-se um abismo com duas margens
subitamente estranhas. 

Numa a morte, noutra a vida. 
Aqui desespero, alento ali.
Se houver uma balança, os pratos não oscilam,
Se houver justiça, aqui está.

Morrer quanto necessário, sem exceder a medida.
Crescer de novo quanto necessário a parte que se salvou.
É verdade, também nós podemos nos dividir.
Mas apenas em corpo e suspiro cortado.
Em corpo e poesia. 

De um lado a garganta, do outro o riso,
leve, rapidamente sumindo. 

Aqui um coração pesado, ali non omnis moriar,
três palavras apenas como três penas aladas. 

O abismo não nos separa.
O abismo nos circunda.


Wislawa Szymborska