segunda-feira, 8 de abril de 2013


Ai de mim! Que é de vós, pensamentos meus, escritos ou pintados?

Não há muito éreis ainda multicores, jovens, maliciosos, pontiagudos, cheios de espinhos e de condimentos secretos que me fazíeis esperar e rir! Mas agora já estais despojados do manto da novidade, e alguns de vós estão prontos a traduzir-se em verdades. Quantos têm já a aparência de imortais, de desonestos, de chorões, de fastidiosos! E quanto não sucedeu assim?

Nós, mandarins do pincel chinês, imortalizadores das coisas que se deixam escrever, que é o que podemos copiar pintando por nós mesmos?

Somente o que já está a ponto de corromper-se e que perdeu já sua fragrância.

Não somos mais que nuvens tempestuosas que se desvanecem e fogem!

Não somos mais que sentimentos tardios e pálidos! Não somos mais que pássaros cansados que se deixam pegar com a mão. Escrevemos para a eternidade o que não pode voar por muito tempo, somente coisas cansadas e murchas! E não só para vosso acaso, ó pensamentos meus, escritos, escritos ou pintados, tenho eu cores, muitas cores, muitas pinturas multicores, mil gradações de amarelo e de cinzento, de verde e de vermelho; com tudo isso, ninguém poderá adivinhar como aparecestes em vossa aurora, ó vós, centelhas inesperadas, prodígios de minha solidão!

Ó vós, meus antigos, adorados, malignos pensamentos!


Friedrich Nietzsche, Além do Bem e do Mal, af.296