segunda-feira, 4 de março de 2013
“Sentava-me no Deux Magots, olhava a página em branco. Sentia a necessidade de escrever na ponta dos meus dedos, e o gosto das palavras na garganta, mas não sabia o que começar. “Que ar bravo você tem!”, disse-me certa vez Giacometti. “É que eu queria escrever, e não sei o quê.” “Escreva qualquer coisa.” Na verdade, eu tinha vontade de falar de mim. Gostava de L’Âge d’homme, de Leiris: gostava dos ensaios-mártires, nos quais nos explicamos sem pretexto. Comecei a pensar nisso, a tomar algumas notas, e falei do assunto com Sartre. Tive consciência de que uma primeira questão se colocava: o que significava para mim ser mulher? Primeiro pensei poder livrar-me disso rápido. Nunca tive sentimento de inferioridade, ninguém me havia dito: “Você pensa assim porque é mulher”; minha feminilidade não me atrapalhava em nada. “Para mim”, disse eu a Sartre, “isso, por assim dizer, não contou”. “De qualquer modo, você não foi criada da mesma maneira que um menino: seria preciso prestar mais atenção a isso.” Eu prestei e tive uma revelação: este mundo era um mundo masculino, minha infância fora nutrida de mitos forjados pelos homens e eu não teria de modo algum reagido a isso do mesmo modo como reagiria se tivesse sido um menino. Fiquei tão interessada, que abandonei o projeto de uma confissão pessoal para me ocupar da condição feminina em sua generalidade. Fui fazer leituras na [Biblioteca] Nacional e estudei os mitos da feminilidade.”
Simone de Beauvoir