sexta-feira, 15 de março de 2013

O beijo

o Beijo - Auguste Rodin


Sobre o pequeno promontório de pedra, sentados lado a lado, os amantes se beijam. Os cabelos da mulher foram retorcidos na nuca e, presos, deixam à mostra as costas bem feitas, músculos, carnes e ossos, num ajuste harmônico que vai dar no afilamento da cintura. Ela está sentada, as pernas rígidas quase tocando uma à outra, as pontas dos pés pousadas no chão com leveza, quase com desequilíbrio, como se a qualquer momento fosse cair para trás, subjugada pelo amor daquele homem.

Ele, sentado ao lado dela, girou sobre si próprio de modo a enlaçá-la. Enquanto sua mão esquerda está colocada sobre o banco de pedra que lhe serve de apoio, a outra, a direita, contornou a mulher e segura com firmeza o ponto da coxa onde começa o quadril. A presença da mão naquela altura da coxa é, por si só, um ato de amor.o braço musculoso do homem se abre, na extremidade, transformando-se em mão vigorosa, de dorso riscado de veias, de dedos nodosos e longos que tocam a pele da mulher com a desenvoltura de um senhor de terras, o polegar erguido apontando, já, na direção do ventre, onde o monte de Vênus está à espera de seu toque. Os mesmos músculos que fazem do braço e das mãos uma demonstração de força, espraiam-se pela espádua, com igual firmeza, com o mesmo poder. Apenas no rosto há alguma delicadeza, os cabelos dele, de um anelado leve, querendo cair sobre a testa como a criar um véu de privacidade para o encontro. Também no gesto da mulher parece haver o objetivo de criar uma redoma, uma região de sombra que mantenha o mundo afastado dos dois. Ela ergueu o braço esquerdo e envolveu o pescoço do homem, puxando-o para si, e esse movimento deixou livre um de seus seios, que aponta para o amante com ousadia. Mas há mais ousadia ainda em outro fato, raso, direto, inegável como a dureza da pedra – o de que os dois amantes estão nus.

A menina observa, fascinada. Nunca viu nada assim. Nunca, em sua vida breve, julgou que pudesse assistir a uma cena de tamanha plenitude. Um homem e uma mulher, nus, envolvidos num beijo tão intenso e tão completo, que parece acontecer numa dimensão paralela, onde o tempo é imensurável, onde é impossível distinguir segundos de séculos. A menina olha, os olhos muito abertos, sem piscar. Em algum ponto de sua mente, tem a impressão de que ouve uma voz chamando-a, mas nem pensa em responder, não quer mover-se. Quer ficar ali parada, hipnotizada que foi pela força daquele encontro entre dois amantes. A chama que o beijo irradia toca-a, revolve alguma coisa dentro dela. A voz, do outro lado do mundo, insiste, chama-a cada vez mais alto, mas a menina ainda tenta resistir, presa ao beijo a que assiste, com a súbita certeza de que sairá dali transformada – para sempre.

Até que não pode mais. Pisca os olhos e, em seguida, vira-se. Vê o sorriso da mãe, que se aproxima. Sorri de volta, rendida, mas tem certeza – certeza absoluta – de que depois daquele momento não será a mesma. Nunca mais esquecerá essa primeira visão da escultura de Auguste Rodin.


Heloísa Seixas