sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013


"Na categoria do milagroso e do 'insólito' devemos também incluir a peculiar sensação que se tem, em certos momentos e situações, de já ter vivenciado exatamente aquilo um dia, de já ter estado antes naquele mesmo lugar, sem que se consiga, apesar de todos os esforços, recordar claramente a ocasião anterior que assim se manifesta. Sei que estou apenas seguindo o uso linguístico descompromissado ao chamar de 'sensação' aquilo que brota na pessoa nesses momentos; trata-se sem dúvida de um juízo e, mais exatamente, de um juízo perceptivo, mas esses casos têm um caráter inteiramente peculiar, e não se deve desconsiderar que aquilo que se procura nunca é lembrado. Não sei se esse fenômeno do 'déjà vu' já foi seriamente oferecido como prova de uma existência psíquica anterior do indivíduo, mas os psicólogos decerto têm voltado seu interesse para ele e têm-se empenhado em resolver o problema pelos mais diversos caminhos especulativos. Nenhum das tentativas de explicação por eles apresentadas parece-me correta, pois nenhuma leva em conta outra coisa que não as manifestações concomitantes e as condições favorecedoras do fenômeno. Os processos psíquicos que, de acordo com minhas observações, são os únicos responsáveis pela explicação do 'déjà vu' – a saber, as fantasias inconscientes – ainda são geralmente negligenciados pelos psicólogos, mesmo hoje em dia.
No meu entender, é errôneo chamar de ilusão o sentimento de já ser ter vivenciado alguma coisa antes. É que nesses momentos realmente se toca em algo que já se vivenciou antes, só que isso não pode ser lembrado conscientemente porque nunca foi consciente. Dito em termos sucintos, a sensação do 'déjà vu' corresponde à recordação de uma fantasia inconsciente."


Sigmund Freud em "Sobre a Psicopatologia da Vida Cotidiana"