sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

James Joyce, Ulisses



Stephen se levantou e se encaminhou para o parapeito. Apoiando-se nele olhou para a água embaixo e para o barco-correio desafogando a entrada da enseada de Kingstown.

- Nossa mãe toda-poderosa! - disse Mulligan.

Ele voltou abruptamente do mar para o rosto de Stephen seus olhos cinzentos inquisitivos.

- A tia acha que você matou a sua mãe - disse ele. - É por isso que ela não quer me deixar ter nada a ver com você.

- Alguém a matou - disse Stephen sombriamente.

- Que droga, Kinch, você podia ter se ajoelhado quando sua mãe agonizante pediu - disse Buck Mulligan. - Eu sou hiperbóreo tanto quanto você. Mas pensar em sua mãe rogando no seu último suspiro que você se ajoelhasse e rezasse por ela. E você recusou. Existe alguma coisa sinistra em você...

Ele se interrompeu e passou espuma de novo ligeiramente na face. Um sorriso tolerante crispou seus lábios.

- Mas um mímico encantador! - murmurou consigo mesmo. - Kinch, o mais encantador de todos os mímicos!

Seriamente e em silêncio ele fez a barba com tranqüilidade e cuidado.

Stephen, com o cotovelo repousando no granito pontudo, encostou a palma abaixo da sobrancelha e olhou para a extremidade da manga de seu casaco preto lustroso que começava a puir. Uma dor, que ainda não era a dor do amor, agitou seu coração. Silenciosamente, em sonho, ela viera até ele após a sua morte, seu corpo gasto dentro de largas roupas tumulares marrons, exalando um odor de cera e pau-rosa, seu sopro, que se curvara sobre ele, mudo, reprovador, um fraco odor de cinzas molhadas. Através do punho puído ele viu o mar saudado como uma grande e doce mãe pela voz bem alimentada ao seu lado. A orla da baía e o horizonte continham uma massa líquida verde opaca. Uma tigela de porcelana ficara ao lado do leito de morte dela contendo a bile que parecia uma lesma verde arrancada de seu fígado apodrecido em seus ataques de vômito e de altos gemidos.

James Joyce, Ulisses