quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Irvin D. Yalom, Quando Nietzsche Chorou




- Breuer respirou profundamente, sentindo-se menos agitado, e sentou-se. - A vida sem Bertha? Que mais existe? Sou um cientista, mas a ciência é sem cor. Deve-se fazer da ciência um trabalho, não um modo de vida... preciso de magia... e paixão... não se pode viver sem magia. É isso que Bertha significa: paixão e magia. A vida sem paixão... quem consegue viver tal vida? - Abriu os olhos subitamente.
- Você consegue? Alguém consegue?
-Por favor, limpe chaminé sobre a paixão e a vida - incitou-o Nietzsche.
- Uma de minhas pacientes é uma parteira - prosseguiu Breuer. - Ela está velha, encarquilhada, sozinha.
Sofre de problemas cardíacos. Mesmo assim, está apaixonada pela vida. Certa vez, indaguei dela a fonte de sua paixão. Respondeu-me então que era o momento entre erguer um recém-nascido silente e lhe dar o tapa  da vida. Ela se renovava -  assim dizia - , pela imersão naquele momento de mistério, aquele momento entre a existência e o olvido.
- E você Josef?
- Sou como aquela parteira! Quero estar próximo do mistério. Minha paixão por Bertha não é natural; é sobrenatural, sei disso, mas preciso de magia. Não consigo viver em preto e branco.
- Todos precisamos de paixão, Josef - interrompeu Niestzsche. - A paixão dionísica é vida. Mas a paixão tem que ser  mágica e aviltante? Não haverá uma forma de dominar a paixão? Deixe-me contar sobre  um monge budista que conheci o ano passado em Engadine. Ele vive uma vida frugal. Medita  metade de suas horas de vigília e passa semanas sem trocar palavra com ninguém. Sua dieta é simples: uma única refeição por dia, aquilo que conseguir esmolar, talvez apenas uma maçã. Mas ele medita sobre a maçã até estar  prenhe de vermelhidão, de suculência e de vivacidade. No fim do dia, ele apaixonadamente antecipa  sua refeição. A conclusão é, Josef:  você não precisa renunciar à paixão, mas tem que mudar suas condições para a paixão.
Breuer concordou com um movimento da cabeça.
- Prossiga - exortou  Nietzsche. - Limpe mais chaminé sobre Bertha... o que ela significa para você. - Breuer cerrou os olhos.
- Vejo-me correndo com ela. Fugindo. Bertha significa fuga, fuga perigosa!
- Como assim?
- Bertha significa perigo. Antes dela, eu vivia dentro das regras. Agora, flerto com os limites dessas regras... talvez seja isso que a parteira signifique. Penso em explodir minha vida, sacrificar minha carreira, cometer o adultério, perder minha família, emigrar, recomeçar a vida com Bertha. - Breuer deu uma palmada leve na cabeça. - Imbecil! Imbecil! Sei que nunca o farei!
- Mas existe um chamariz nesse perigoso  vaivém pelo limite?
- Um chamariz? Não sei. Ignoro a resposta. Não gosto de perigo! Se existe um chamariz, não é o perigo; creio que o chamariz seja a fuga, não do perigo, mas da segurança. Talvez eu tenha vivido demais, de maneira segura!


Irvin D. Yalom, Quando Nietzsche Chorou
Ediouro, 28a. edição, p.295-297
Tradução: Ivo Korytowski