quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Os Amantes Liquefeitos

Aja


Para quem não tem pena que o afague
é bom saber que o jovem par de amantes
marcou encontro num jardim de Copenhaga. 

Na manhã fria como o aço cromado
Uma névoa leitosa amassa o esqueleto das árvores
num hálito empastado. 

Esquálidos, adivinham-se os ramos na bruma dissolvente,
secos e descarnados como tíbias desenterradas
ao longo das hastes, os dentes polidos do gelo pendente
como presas de cães atentas e aceradas. 

Gélido um vento sopra e eriça a epiderme
das estátuas de bronze diluídas no espaço,
e a pele dos golfinhos de pedra que emergem da água inerme
de um lago morto como vidro baço. 

Ininterruptamente
cai a neve
naquela queda paulatina e leve
que tudo cobre, pesadamente. 

Chegaram os amantes.
Caminham silenciosos, de mãos dadas.
Sob as luvas grosseiras e bordadas 

Sentem-se os dedos mais que palpitantes.
Pararam e examinam-se. Os olhos um do outro se povoam,
batem as asas, desfazem-se em vapor,
as minúcias do rosto sobrevoam
prospectanto os filões mais íntimos do amor. 

Fecham os olhos. Apagam-se as luzes.
Vogam no oceano os náufragos solitários.
Juntam-se as bocas no fundo dos capuzes
Como dois pólos de sinais contrários. 

Uma estrela cadente os ares corta
e enquanto o longo beijo continua
semeia luz em pó na natureza morta. 

Rompem as flores do chão, e as árvores esquálidas
projetam sobre a relva a sombra tutelar.
Anima-se o sangue nas veias de bronze das estátuas pálidas,
dissipa-se a névoa, alegra-se o ar.
Um búfalo de fogo no horizonte se esboça.
Traz música nos olhos e as goelas hiantes.
Funde-se a neve empedernida e grossa.
Funde-se o gelo. Fundem-se os amantes.


António Gedeão