terça-feira, 13 de novembro de 2012



Estou demasiado perto para ser sonhada por ele.
Sobre ele não voo, dele não fujo
sob as raízes de uma árvore.
Estou demasiado perto.
Não é com a minha voz que canta o peixe na rede.
Não é do meu dedo que rola o anel.
Estou demasiado perto.
Uma enorme casa está ardendo
sem mim, pedindo socorro.
Demasiado perto,
para que no meu cabelo o sino badalasse.
Demasiado perto para poder entrar como convidado
ante o qual as paredes se abrem.
Pela segunda vez não morrerei jamais tão levemente,
tão fora do meu próprio corpo, tão involuntariamente
como outrora em meu sonho.
Estou demasiado perto,
demasiado perto. Ouço um silvo,
e vejo a casca fulgurante dessa palavra,
imóvel nos meus braços. Ele dorme,
agora mais acessível a uma bilheteira de circo ambulante
com um leão apenas,
vista uma vez na vida,
do que a mim, deitada a seu lado.
Agora para ela nele cresce um vale
De folhagens ruivas, fechado por um monte nevado
no ar azul. Eu estou perto demais
para cair-lhe do céu.
Meu grito
só poderia acordá-lo. Pobre de mim,
limitada à minha própria figura,
eu que fui bétula, eu que fui ninfa
e saía da casca,
brilhando as cores da pele. Eu que tinha
a graça de sumir ante olhos espantados
o que é uma riqueza de riquezas.
Estou perto,
demasiado perto para ser sonhada por ele.
Retiro o meu braço de sob a cabeça dele que dorme,
e o braço dormente fervilha de agulhas,
em cujas pontas esperando a contagem
sentaram-se os anjos caídos.

Wislawa Szymborska