quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Jean-Paul Sartre, A idade da razão

Uma vida”, pensou Mathieu, “ é feita com futuro, como os corpos são feitos com vácuo.” Baixou a cabeça. Pensava na própria vida. O futuro penetrara-a até a medula. Tudo estava nela em suspenso, em sursis. Os dias mais recuados de sua infância , o dia em que dissera: “serei livre”, o dia em que dissera: “serei grande”, apareciam-lhe, ainda agora, com seu futuro particular, como um pequenino céu pessoal e bem redondo em cima deles, e esse futuro era ele, ele tal e qual era agora, cansado e amadurecido. Tinham direitos sobre ele e através de todo aquele tempo decorrido mantinham suas exigências, e ele tinha amiúde remorsos abafantes, porque o seu presente negligente e cético era o velho futuro dos dias do passado. Era ele que eles tinham esperado vinte anos, era dele, desse homem cansado, que uma criança dura exigira a realização de suas esperanças; dependia dele que os juramentos infantis permanecessem infantis para sempre ou se tornassem os primeiros sinais de um destino. Seu passado sofria sem cessar os retoques do presente; cada dia vivido destruía um pouco mais os velhos sonhos de grandeza, e cada novo dia tinha um novo futuro; de esperança em espera, de futuro em futuro, a vida de Mathieu deslizava docemente... em direção a que?
Em direção a nada.(...)
“Se eu morresse hoje”, pensou repentinamente Mathieu, “ninguém saberia se estava realmente liquidado ou se tinha ainda possibilidade de me salvar.”


Jean-Paul Sartre, Idade da razão