sexta-feira, 28 de setembro de 2012

1964




I

Já não é mágico o mundo. Te deixaram.
Já não partilharás a clara lua
nem os lentos jardins. Já não há uma
lua que não seja espelho do passado,
cristal de solidão, sol de agonias.
Adeus às mutuas mãos a às têmporas
que envolviam o amor. Hoje só tens
a fiel memória e os desertos dias.
Ninguém perde (repetes em vão)
senão quem não tem e que não teve
nunca, mas não basta ser valente
para aprender a arte do esquecimento.
Um símbolo, uma rosa, te desgarra
e te pode matar uma guitarra.

II

Já não serei feliz. Talvez não importe.
há tantas outras coisas no mundo;
Um instante qualquer é mais profundo
e diverso que o mar. A vida é curta
e ainda que as horas sejam tão longas, uma
escura maravilha nos ronda,
a morte, esse outro mar, essa outra flecha
que nos livra do sol e da lua
e do amor. A sorte que me deste
e me tiras-te deve ser apagada;
o que era tudo tem que ser nada
Só me resta o gozo de estar triste
esse inútil costume que me inclina
ao sul, a certa porta, a certa esquina.


Jorge Luiz Borges
tradução:  Alice Ruiz