segunda-feira, 27 de agosto de 2012



Ninguém, amando, pensa em pesos e medidas. Abrimos corpo e alma, estamos entregues. No começo talvez haja períodos de vago susto: o outro nos define, o outro nos entende, o outro nos aquece e ilumina, somos melhores, mais belos e muito mais felizes por causa dele, sua voz fala por nós, sua mão age por nós, nunca perdemos com tamanha alegria nossa identidade para a recuperarmos no mesmo instante, transfigurada.

O outro, mesmo à distância, comanda nossa vida. Provavelmente comandamos a dele, e essa troca, sendo verdadeira, é um terremoto que transforma terra plana em montanhas magníficas, lagos calmos em grandes mares, faróis humildes em estrelas.

A importância do outro nos assustaria se pudéssemos ver com clareza, mas nossa lucidez está coberta de véus: mesmo assim, interrogamos: quanto de mim restou, quanto de ti sou eu?

A resposta há de ser que somos o outro quase inteiramente, e soa doce aos nossos ouvidos. Naturalmente, se alguém nos ponderasse que é preciso cautela, haveríamos de virar-lhe as costas, e rir. E essa é uma das mais privilegiadas condições de ser - apenas e inteiramente - humano.


 Lya Luft in Secreta Mirada