segunda-feira, 23 de julho de 2012

Discurso aos infiéis



Por que chorar de saudade,
se me resta o longo mar sonoro e vário,
a flor perfeita, a estrela certa,
e a canção que o pássaro vai bordando no
vento?

Por que chorar de saudade,
se me resta um jardim de palavras,
e os bosques do eco
e estes caminhos da memória me pertencem?


Por que chorar pelo que me levais,
se é maior o que fica:
se a sombra em que vos recordo é mais bela
que o vosso vulto,
se em vós morreis e em mim ressuscitais?

É melhor não ficar jamais com quem nos
ama.
O amor é um compromisso de grandeza,
o amor é uma vigília incansável
e aparentemente vã.



Passai, parti, deixai-me, vós que, no entanto,
parecestes um momento mais adoráveis
que o mar, que a flor, que a estrela
que a canção que um frágil pássaro vai
bordando no vento...

Éreis o vento, apenas.


Cecília Meireles