terça-feira, 29 de maio de 2012

Manhã



Estou 
e num breve instante 
sinto tudo 
sinto-me tudo 

 Deito-me no meu corpo 
e despeço-me de mim 
para me encontrar 
no próximo olhar 

 Ausento-me da morte 
não quero nada 
eu sou tudo 
respiro-me até à exaustão 

 Nada me alimenta
porque sou feito de todas as coisas
e adormeço onde tombam a luz e a poeira

 A vida (ensinaram-me assim)
deve ser bebida
quando os lábios estiverem já mortos
 Educadamente mortos


  Mia Couto, do livro "Raiz de orvalho e outros poemas"