quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Luísa espreguiçou-se. Que seca ter de se ir vestir! Desejaria estar numa banheira de mármore cor-de-rosa, em água tépica, perfumada, e adormecer!Ou numa rede de seda, com as janelas cerradas, embalar-se, ouvindo música! Sacudiu a chinelinha: esteve a olhar muito amorosamente o seu pé pequeno, branco como leite, com veias azuis, pensando numa infinidade de coisinhas: - em meias de seda que queria comprar, no farnel que faria a Jorge para a jornada, em três guardanapos que a lavadeira perdera...
Tornou a espreguiçar-se. E saltando na ponta do pé descalço, foi buscar ao aparador por detrás duma compota um livro um pouco enxovalhado, veio estender-se na Voltaire, quase deitada, e, com o gesto acariciador e amoroso dos dedos sobre a orelha, começou a ler, toda interessada.
Era a Dama das Camélias. Lia muitos romances; tinha uma assinatura, na Baixa, ao mês. Em solteira, aos dezoito anos, entusiasmara-se por Walter Scott e pela Escócia; desejara então viver num daqueles castelos escoceses, que têm sobre as ogivas os brasões do clã, mobilizados com arcas góticas e troféus de armas, forrados de largas tapeçarias, onde estão bordadas legendas heróicas, que o vento do lago agita e faz viver; e amara Ervandalo, Morton e Ivanhoé, ternos e graves, tendo sobre o gorro a pena de águia, presa ao lado pelo cardo de Escócia de esmeraldas e diamantes. Mas agora era o moderno que a cativava, Paris, as suas mobílias, as suas sentimentalidades. Ria-se dos trovadores, exaltara-se por Mr. De Camors; e os homens ideais apareciam-lhe de gravata branca, nas ombreiras das salas de baile, com um magnetismo no olhar, devorados de paixão, tendo palavras sublimes. Havia uma semana que se interessava por Marguerite Gautier: o seu amor infeliz dava-lhe uma melancolia enevoada; via-a alta e magra, com o seu longo xale de caxemira, os olhos negros cheios da avidez da paixão e dos ardores da tísica; nos nomes mesmo do livro – Julie Duprat, Armand, Prudence, achava o sabor poético duma vida intensamente amorosa; e todo aquele destino se agitava, como numa música triste, com ceias, noites delirantes, aflições de dinheiro, e dias de melancolia no fundo dum coupé quando nas avenidas do Bois, sob um céu pardo e elegante, silenciosamente caem as primeiras neves.
(...)
Foi com duas lágrimas a tremer-lhe nas pálpebras que acabou as páginas da Dama das Camélias. E estendida na Voltaire, com o livro caído no regaço, fazendo recuar a película das unhas, pôs-se a cantar baixinho, com ternura, a ária final da Traviata:

Addio, del pasato...

Lembrou-lhe de repente a notícia do jornal, a chegada do primo Basílio...
Um sorriso vagaroso dilatou-lhe os beicinhos vermelhos e cheios. – Fôra o seu primeiro namoro, o primo Basílio! Tinha ela então dezoito anos!

Eça de Queirós, O primo Basílio