quinta-feira, 12 de janeiro de 2012



Não sei que efeito sutil de luz, ou ruído vago, ou memória de perfume ou música, tangida por não sei que influência externa, me trouxe de repente, em pleno ir pela rua, estas divagações que registro sem pressa, ao sentar-me, no café, distraidamente. Não sei onde ia conduzir os pensamentos, ou onde preferia conduzi-los. O dia é de um leve nevoeiro úmido e quente, triste sem ameaças, monótono sem razão. Dói-me qualquer sentimento que desconheço; falta-me qualquer argumento não sei sobre quê; não tenho vontade nos nervos. Estou triste abaixo da consciência. E escrevo estas linhas, realmente mal-notadas, não para dizer isto, nem para dizer qualquer coisa, mas para dar um trabalho à minha desatenção. Vou enchendo lentamente, a traços moles de lápis rombo que não tenho sentimentalidade para aparar – o papel branco de embrulho de sanduíches, que me forneceram no café, porque eu não precisava de melhor e qualquer servia, desde que fosse branco. E dou-me por satisfeito. Reclino-me. A tarde cai monótona e sem chuva, num tom de luz desalentado e incerto... E deixo de escrever porque deixo de escrever.

Bernardo Soares (Fernando Pessoa)