imagem: andrey razoomovsky |
Adelaide pega o baralho
Vamos fazer um jogo
Hoje eu vou ficar em casa
Lá fora nada de novo
Senta perto da janela
Como o mundo anda depressa
Vamos, eu dou as cartas
E você começa.
Que grito é esse lá fora?
A rua tremendo de medo
Um tiro, um morto na rua...
Já fez canastra, tão cedo?
Mas tem curinga, tá suja
(mas se suja é a própria vida).
Com que direito alguém força
E controla, e manda, e rege, e mata, e marca, deixa ferida
Do rei eu não preciso
Nem sei qual carta me serve
(nem sei de outra vida) só intuo outra forma
Mais pura. Que o mundo está doente, está com febre.
Pronto. Peguei o morto
(e o da rua?) o mundo tem tantas calçadas
Tem até congestionamento. Ih, Adelaide
Este morto não tá bom, só tem cartas erradas
E o valete não me veio
E eu tinha esperado tanto
E eu choro, Adelaide, e o sangue cobre as ruas da cidade
Do mundo vermelho de espanto.
E o valete não me veio.
Cobre esta paisagem com as cores da delicadeza
Cobre a morte, a dor, a miséria, a violência
Tinge. Adelaide, o ás é mesa?
Eu compro. Quem compra tem (sociedade de consumo)
Graças à propaganda e à Santa Comunicação
O povo anda em rebanho
(e presta tanta atenção)
Que se afoga na mesma onda (onda de transmissão)
Se mata com a mesma arma
E obedece sem reação
E eu vou fazer esta trinca, que assim faço mais pontos
Se eu desse o 7 você bem que ficava contente
Mas que máquina, que matemática, que temática
É essa, o que foi que fizeram com a gente?
Por que será que aquele homem quis matar o presidente
(que presidente?) Presidente de quê? Se neste país
Somos todos adultos. Foi isso que fizeram com a gente
Adelaide, somos todos adultos...
Bateu, mas logo agora
Que eu comprei toda essa mesa...
Acende a luz. Fecha a cortina.
Que esse cinza me dá tristeza
E que tá tão frio aqui
Vamos contar os pontos
Acabou.
Adelaide. Perdi
Bruna Lombardi