Taras Loboda |
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para encontrar as origens do meu rosto
muçulmano
revisei-me em aeroportos nebulosos
rasguei o véu que me encobria
descobri bombas e granadas no meu peito
tentei lentes azuis e corante no cabelo
nada feito explodi no bar da esquina
62.
sou impaciente
anuncio todos os meus atos
uma semana antes
63.
marquei um encontro com o destino
mas cheguei antes da hora e não deu pra esperar
segui outro caminho e fui dar o que falar
64.
eu passei por poucas e boas
ele por maus momento
eu soube de sofrimento
ele quis relaxar e gozar
eu tentei novos caminhos
ele preferiu ficar sozinho
eu quase não via
ele pura alegria e descoberta
eu certa de que tudo daria certo
ele incerto e cuidadoso
até a hora que nos conhecemos
e tentamos uma coisa que só nós dois sabemos
65.
o que faço de bom faço malfeito
pareço artificial quando sincera
mera falta de jeito pra viver
sou a filha predileta do defeito
66.
aquele amor poderia ter me matado
como mata centenas de mulheres por aí
certos amores não passam
de uma bomba a ser desativada a tempo
67.
Miró que viu
gostou
recomendou
Pueblo Español
artificial
ao Bairro Gótico preferi
Gaudíno El Corte Inglês
comprei bobagens
do museu Picasso
El Viejo Guitarrista me contempla
que nome lindo
Barcelona
68.
o término da nossa relação
foi pra mim um choque térmico
não senti mais teu calor
nunca te vi tão frio
69.
se eu quisesse
sairia da cidade
moraria onde pudesse
deixaria saudade
partiria quando desse
não interessa a idade
andaria a esmo
descobriria ruas
iria sozinha
pediria abrigo
trabalharia à noite
viveria de dia
ouviria música
saberia línguas
pediria arrego
trocaria o nome
mandaria cartas
choraria às vezes
não envelheceria
perderia o rumo
cometeria erros
distribuiria beijos
arruinaria casamento
visitaria museus
deixaria o cabelo crescer
sorriria diferente
montaria uma casa
viajaria em cargueiro
faria tudo isso
se eu quisesse mesmo
70.
foi então que ela viu no calendário
um sofrimento diário
uma dor que tinha número
e uma aflição já havia um mês
foi então que resolveu queimá-lo
e trocá-lo por uma ampulheta
que baixa a dor mais rápido
e mata O amor de vez
71.
a gente é meio on the road
só que muito mais moderno
adoro estar com ele e esse amor é único
e insiste
sobrevive em nós um sonho torto
a gente se permite cafonice
se se finge de casal
mata o tempo na tevê e quando vê somos
lençóis
morremos de saudade que não dói
ele dança na minha frente
e me atrai essa falta de jeito pra me amar
quando beija a boca me enlouquece
não posso recusar tanta meiguice
superfino bagaceiro engraçadíssimo
máximo de luxo me cobre de promessas
champanhe em Mônaco banho nus
Mediterrâneo
instantâneo ele me pede em casamento
e eu aceito
72.
aquele poema em que saiu seu nome
não liga não é você
não vou te comprometer com a minha ilusão
foi erro de revisão
Marta Medeiros
Meia-Noite e um Quarto, 1987