quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

imagem: Sónia Cristina


sabes, mãe. junto do piano, está uma mulher a escrever
sobre o coração. tem o peito aberto a sangrar numa taça
de vinho. bebermos esta mulher dá-nos sede de água.
é como se ela ouvisse por dentro das teclas. é como se
ouvisse por dentro das mãos.

ao ventre do piano é que o rio começa a ser fundo.
ao fundo do rio, para que seja eterno, é que se escreve
o nome da mulher. vês como as flores adormecem num grito?
e os pássaros cantam nos seus lábios?

é por isso, mãe. é por isso que o amor é um ser fêmeo.
é ao ventre do amor que o piano começa a ser corpo.
as palavras são gotas de orvalho ou meros cristais
invaliosos. é preciso beber o poema gota a gota,
sangrar como uma mulher. é preciso nadar este rio
até ser um poema de mar. é preciso florir um pássaro
na tua boca. é preciso escrever de alma nua.


alice macedo campos