começa pelo olho, mas em breve é tudo. Uma poeira que cai ou rebenta nas superfícies. Se tivesse a certeza de que ao fim destas palavras meu corpo rolasse fulminado, eu faria delas o que elas devem ser, eu as conduziria a sua última ignição, eu concluiria o ciclo de seu tempo, levaria ao fim o impulso inicial estagnado nesta aridez utilitária em cujo púcaro as forças se destroem. Ou não faria. Não faria: uma vileza inata a meu ser trai em seu fulcro todo movimento para fora de mim: porque este é um tempo meu, e eu sou a fome e o alimento de meu cansaço: e eu sou esse cansaço comendo o meu peito. Porque eu sou só o clarão dessa carnificina, o halo desse espetáculo da ideia. Sou a força contra essa imobilidade e o fogo obscuro minando com a sua língua a fonte dessa força. Estamos no reino da palavra, e tudo que aqui sopra é verbo, e uma solidão irremissível,
INFERNO
a fascinação se exerce
sobre a minha vida. Exerce
como a foice decepa
como um arado rompendo a extensão do silêncio
sexualizado.
Não creio que tu estejas menos que este feixe de
contradições: os demônios fugiram,
mas o fedor de seu hábito, o perfume
de sua imaginação, a catinga real dos
ventos intestinais
restam sobre tudo aqui, penetrados em tudo aqui
até o cerne.
Mas, no meu corpo,
sustento a consistência dos tecidos, estais presentes,
com vosso odor caprino cáprico cálito
Numeral.
mas eu, não o outro, a e minha linguagem é a representação
duma discórdia
entre o que quero e a resistência do corpo.
e se é no ódio que ela melhor acende,
o ódio não dura, e a sua luz se perde outra
num rastilho suicida
lutei pra te libertar
eu-língua,
mas eu sou a força e
a contra-força,
mas eu não sou a força
e nem a contra-força
e é que nunca me vi nem sei qualquer resíduo
para além dum fechado gesto de ar ardente
queimando a linguagem em
seu começo
porque há o que floresce entre
meus pés e o que rebenta
num chão de extremo desconhecimento.
porque há frutos endurecendo a carne junto
ao mar das palavras. E há um homem perdendo-se
do fogo e há um homem crescido
para o fogo
e que se queima
só nos falsos e escassos incêndios da sintaxe.
oh que se voltem para ele os vermelhos e maduros
ventos do inferno
Oh
ele é um pomar
pronto. ele
pomar vazio
e pronto
Dizem que teu dorso de brasa é uma estação de certezas,
cozinha os cachos,
rasga na poeira fecal as extremas flores da vida
sejas tu gramática
ou guerra
campos do jogo, severa cabalística
mecânica de fedores,
(e se invado teu templo,
no chão,
de cores erguidas num rumor de peste)
aqui trabalho meu corpo, em claro, para atingir teu sopro.
E podes comer esta pele
com tua floração de lepra.
É que eu mesmo sou ELE e o seu deslumbro,
é que eu sou sua veste e seu canto, e o brilho
- que encravado na carne,
sustenta-o, lugks,
matilha acesa,
consumação em sóis de poeira e fome dos pudores.
Eis porque te destruo, língua,
e deixo minha fala secar contigo,
e cair como poeira
sobre os olhos famintos,
fulgéni!
sumir nele, e com ele,
a doença do ser,
o que se move lá no escuro vértice do ser,
o panariço:
fogo de fogo
é o espaço feito
do voo no voo, fa-
lo,
fogo
sem chama,
destruídas as fogueiras do vício
nos ossos,
fogo novo,
e nem essas labaredas da fuligem
lavrando os mitos, pela
escura velhice, na funda
terra,
o fogo
queima o fogo
Oh pacientes deuses
sob um sol fétido,
mortos, e só nas altas torres consumidos,
a carne, depois,
tornada em ouro.
Ferreira Gular