“... Entretanto, quando Úrsula percebeu que o tempo não lhe havia chegado para consolidar a vocação de José Arcadio deixou-se aturdir pela consternação. Começou a cometer erros tentando ver com os olhos as coisas que a intuição lhe permitia ver com maior claridade. Certa manhã jogou na cabeça do menino o conteúdo de um tinteiro, pensando que era água-de-colônia. Ocasionou tantas dificuldades com a teimosia de intervir em tudo, que se sentiu transtornada por crises de mau humor, e tentava vencer as trevas que finalmente a estavam tolhendo como uma camisa de teias de aranha. Foi então que lhe ocorreu que a sua inabilidade não era a primeira vitória da decrepitude e da escuridão, mas uma falha do tempo. Pensava que antigamente, quando Deus não fazia com os meses e os anos as mesmas trapaças que faziam os turcos ao medir uma jarda de percal, as coisas eram diferentes. Agora não apenas as crianças cresciam mais depressa, mas até os sentimentos evoluíam de outro modo. Nem bem Remédios, a bela, subira ao céu de corpo e alma, já Fernanda, sem consideração, andava resmungando pelos cantos que ela levara os lençóis. Nem bem haviam esfriado os corpos dos Aurelianos nas tumbas e já Aureliano Segundo tinha outra vez a casa tomada, cheia de bêbados que tocavam acordeão e se encharcavam de champanha, como se não tivessem morrido cristãos (...), e como se aquela casa de loucos (...) estivesse predestinada a converter numa lixeira de perdição.
Lembrando-se destas coisas enquanto aprontava o baú de José Arcadio, Úrsula se perguntava se não era preferível se deitar logo de uma vez na sepultura e lhe jogarem a terra por cima, e perguntava a Deus, sem medo, se realmente acreditava que as pessoas eram feitas de ferro para suportar tantas penas e mortificações; e perguntando e perguntando ia atiçando a sua própria perturbação e sentia desejos irreprimíveis de soltar e não ter papas na língua como um forasteiro e de se permitir afinal um instante de rebeldia, o instante tantas vezes desejado e tantas vezes adiado, para cortar a resignação pela raiz e cagar de uma vez para tudo e tirar do coração os infinitos montes de palavrões que tivera que engolir durante um século inteiro de conformismo."
- Porra! – gritou.
Gabriel García Marquez, Cem anos de solidão